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As Escolas Literárias

( Rita de Cássia Natal Chaves - 1988)

1. Introdução________________________________________________________

E o que fazer com as diferenças?

O artista entre os homens

As idades literárias

O tempo e os ventos

As escolas em evolução

2. Medievalismo:

A Igreja: a dona da voz

A voz de outros donos

Guerreando e cantando

Quem inventou o amor (?)

Cantos, encantos, desencantos 

3. Renascimento

Deus no céu e o homem na terra 

Entre Deus e Zeus

A voz muda de dono 

E o que foi feito de povo?

4. Barroco

Entre o céu e a terra

O nome do estilo

Antíteses, paradoxos, contradições

5. Neoclassicismo

A hora e vez do saber 

Após a tempestade...

Arcadismo: o poeta vira pastor 

Simples, mas nem tanto...

6. Romantismo

Românticos e românticos

Um cenário conturbado 

O sonho? Acabou? 

 A arte: Lixo ou luxo?

O importante é competir? 

Mudar, fugir ou morrer

Viva o verde!

Rebeldes com causa

Entre os salões e as pastas

Quem não tem cavaleiro...

7. Realismo

Realistas e realistas

Literatura e ciência

Escrever para corrigir

O escritor vira fotógrafo

Sem fantasia

Realismo, Naturalismo

 

8. Parnasianismo

Em busca da palavra exata

A arte pela arte

Zeus mais uma vez

 

9. Simbolismo

Poesia com música

Sons e cores em movimento

Formas sem formas

Vivendo nas nuvens

 

10. Modernismo

De pernas para o ar

Acertando o passo

O leitor entra na roda

A ordem é duvidar

Reencontrando o povo

Os males do novo século

Dando a volta por cima

O herói nada super

Despertando o gigante

Uma semana diferente

To be Tupi

 

11. Contemporaneidade

E agora?

A literatura busca aliados

12. Pontos para reflexão

13. Vocabulário

14 . Bibliografia comentada

1

Introdução

 

Os textos que você encontrará abaixo são poemas que estão separados no tempo por algumas décadas. O primeiro foi composto por Castro Alves no Brasil do século XIX. O segundo tem como autor Manuel Bandeira e foi publicado em 1930 num livro chamado Libertinagem. Ambos falam da presença e da ausência de uma certa Teresa, mas vamos encontrar entre eles outras semelhanças. Observe:

 

O ADEUS DE TERESA

A vez primeira que eu fitei Teresa,

Como as plantas que arrasta a correnteza,

A valsa nos levou nos giros seus..

E amamos juntos... E depois na sala

_Adeus! – eu disse-lhe a tremer co`a  fala ...

 

E ela, corando, murmurou-me: “Adeus”.

Uma noite... entreabriu-se um reposteiro...

E da alcova saía um cavaleiro

Inda beijando uma mulher sem véus...

Era eu...Era a pálida Tereza!

_Adeus! –lhe disse conservando-a presa...

 

E ela entre beijos murmurou-me: “Adeus”.

Passaram-se tempos...séc`los de delírio,

Prazeres divinais...gozos do Empíreo...

Mas um dia volvi aos lares meus.

Partindo eu disse: -“Voltarei!...descansa!...”

 

Ela, chorando mais que uma criança,

Ela em soluços murmurou-me: “Adeus”.

Quando voltei...era o palácio em festa!...

E a voz d’Ela e de um homem lá na orquestra

Preenchiam de amor o azul dos céus.

Entrei!... Ela me olhou branca... surpresa!

Foi a última vez que eu vi Teresa!...

 

E ela arquejando murmurou-me: “Adeus!”

 

São Paulo, 28 de agosto de 1868.

 

TERESA

 

A primeira vez que vi Teresa

Achei que ela tinha pernas estúpidas

Achei também que a cara parecia uma perna

 

Quando vi Teresa de novo

Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do Corpo

(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada

Os céus se misturaram com a terra

E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

 

        Assim, com facilidade, percebemos que:

___ambos falam de encontros e separação;

___ambos expressam ideias através de imagens (“ como as plantas que arrasta a correnteza”, “,séc’los   

       de delírio”, “Os céus se misturaram com a terra”);

___ ambos são escritos em versos.

        Entre esse mar de identidades, todavia, surgem as ondas das diferenças:

___ o primeiro poema registra construções que obedecem a uma ordem incomum na linguagem da comunicação diária (“a vez primeira”, “giros seus”, “lares meus”);

___ o segundo poema dispensa o uso de rimas;

___ o primeiro opta por um visível rebuscamento na escolha do vocabulário (“Prazeres divinais”, “gozos

        do Empíreo”);

___ o segundo faz uso de imagens imprevistas (“pernas estúpidas”, “a cara parecia uma perna”)

            Não se ignora que um período de aproximadamente 60 anos é tempo suficiente para gerar mudanças no comportamento dos homens. Mudam-se os hábitos, mudam-se as roupas, mudam-se as condições concretas de vida (diretamente ligadas às relações com o trabalho), muda-se a sociedade e muda-se a forma de ver o mundo. A leitura dos dois textos revela que também a linguagem espelha esse conjunto de mudanças. A transformação da sociedade parece, então, reclamar uma maneira igualmente transformada para se falar dela.

            A “valsa”, “o cavaleiro”, os “véus”, presentes no poema de Castro Alves, são referências que nos fazem pensar num universo associado a uma outra época, também sugerida pelo uso de expressões como “alcova” e “reposteiro” e de construções como “co`a fala” e “séc`los de delírio. Já no poema de Bandeira deparamo-nos com palavras que fazem parte de nosso repertório mais usual ( “cara”, “rosto”) e observamos que as construções sintáticas não fogem aos modelos que caracterizam as nossas conversas mais informais (“A primeira vez que vi”, “Achei que ela tinha”).

      Tais observações nos possibilitam compreender que esse conjunto de semelhanças e diferenças vai, a um só tempo, aproximar estes dois textos num sentido e afastá-los num outro. Logo, poderemos verificar de que modo cada um deles poderá ser associado a outros textos produzidos em momentos históricos aproximados. E já podemos afirmar que algumas das semelhanças apontadas formam a base que nos permite concluir que temos diante de nossos olhos dois textos literários. Ou seja, os procedimentos comuns entre os dois textos compõem o quadro de procedimentos que caracterizam a literatura.

E o quê fazer com as diferenças?

 

          As questões que envolvem as diferenças que surpreendemos entre os textos literários escritos através dos tempos merecerá uma atenção maior e será, afinal, o tema desse trabalho. Como uma das expressões da cultura do homem, sujeita, portanto, às modificações construídas no tempo, a literatura apresenta uma característica muito especial. Ao mesmo tempo que se revela como um produto da história, ela tem a capacidade de atuar no sentido de transformar esta história. Como as outras formas de arte (a música, as artes plásticas, o cinema etc.), ela traduz e provoca inquietações que vão muitas vezes, alimentar a busca de mudanças que é própria do homem vivo.

           E como a história, de que é parte, ela possui um caráter de processo. Ou seja, ela trabalha numa linha de continuidade e as modificações que aí surgem vão, aos poucos, corroendo as leis e os valores que pareciam sagrados num tempo anterior. Isso significa que na república da literatura é impossível  --- porque é inútil  ---- baixarem-se decretos determinando essa ou aquela mudança. Elas vão se fazendo no interior da vida da sociedade e num dado momento, que não é imposto por nenhum ditador, começam a surgir no texto.

         Essa possibilidade e esse empenho de perceber e interpretar certos cortes no processo literário correspondem, na verdade, a um desejo de compreender melhor tal processo e a sua relação com a História. Trata-se de uma tentativa de repetir a velha lição de dividir um todo em partes para melhor conhecer as partes e o próprio todo que elas compõem.

        Seguindo esse método vamos notar que o conjunto das diferenças que distingue a produção de Castro Alves da de Manuel Bandeira, vai, ao mesmo tempo, permitir que se associe a obra de cada um deles a outras produzidas em sociedades com características sócio-político-culturais semelhantes, instaladas geralmente em épocas cronologicamente aproximadas. Essa possibilidade de se ler o texto de um poeta como Castro Alves e examinar a presença de marcas que estarão presentes em obras de autores que representam uma certa tendência a artística, frequentemente situado num mesmo espaço de tempo, é que nos vai levar ao conceito de escola literária.

 

O artista entre os homens

Neste capítulo das diferenças, somos levados a refletir, pelo menos, em duas direções. Assim, escritos por autores distintos, esses dois textos que você acabou de ler apresentam, naturalmente, características que são recorrentes do chamado estilo individual. Os textos escritos numa mesma época sobre um mesmo tema não se mostram simetricamente iguais. Como obra de arte, a literatura revela a marca pessoal do artista que a produz. Vale lembrar que o ato de criar traduz um grau de liberdade quase sempre proibido às atividades mecanizadas a que a maioria dos homens se vê condenada numa sociedade como a nossa.

Não se pode, porém, ignorar que o homem não vive solto no ar. Como um ser social, a sua vida se define na relação com os outros homens. Ele se encontra ligado a um sistema de norma e valores que, de algum modo, vai orientar a sua atuação no mundo. Tal significa que o ato criador, mesmo sendo um ato individual, mesmo sendo visto como um exercício de liberdade, se faz sob influências que vêm dos mais diversos aspectos da vida.

Apesar de exercer uma atividade geralmente cercada de um grau de mistério que, em nossa sociedade, muitas vezes o coloca num espaço quase sagrado, o artista, não pode escapar das pressões das chamadas condições históricas. Na verdade, a obra de arte deve, nessa perspectiva, ser vista como uma  resposta do artista ao quadro imposto pelas questões econômicas, políticas e sociais da sociedade de que ele também é parte.

 

O tempo e os ventos

 

Em toda essa reflexão sobre as escolas literárias a noção de tempo está presente. Não podemos, porém, usar os limites da cronologia para estabelecer as fronteiras no território da literatura. Isso significa que não podemos falar na literatura do século XIX como um conjunto porque corremos o risco de reunir obras com características tão diversas como A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, e D. Casmurro, de Machado de Assis

O mesmo risco corremos se apanhamos as situações políticas para demarcar os períodos literários. Nesse caso, ao utilizarmos a expressão literatura do Brasil Colonial, poderemos colocar no mesmo saco gatos tão diferentes como gregório de Matos e Basílio da Gama.

Por esse caminho, concluímos que para definir as escolas literárias, devemos lançar mãos de critérios que considerem a literatura como uma atividade estética. Ou seja, devemos atentar para as mudanças que ocorrem no interior das obras: a preferência por determinados temas, a escolha dos elementos para compor as imagens, a opção por um dado tipo de verso etc. Desse modo, é possível analisar de que maneira os escritores respondem, do ponto de vista da literatura, àquelas pressões de cada tempo. Podemos dizer ainda que esses fatos literários são marcas dos ventos soprados pela história na cultura do homem.

 

As escolas em evolução

 

O nome escola sugere alguma coisa meio estática, o que foge à realidade no campo da literatura. Se nos lembramos, porém, que a expressão movimento também é empregada no mesmo sentido, as paredes dessa escola ficam meio balançadas. E é bom que isso ocorra porque vem indicar que nos seus regulamentos a rigidez não é uma exigência presente.

Na verdade, há entre essas escolas um dinamismo que pode fazer com que muitas de suas alas se misturem. Assim, não é possível declarar que uma escola precisa fechar as portas para que outra abra as suas. Os ventos da cultura se movimentam e permitem que algumas características de uma dada escola apareçam na seguinte ou um pouco mais tarde. Às vezes, tais características surgem um pouco modificadas; outras vezes elas vão aparecer numa posição diferente: com maior ou menor destaque do que no período anterior.

Não se pode esquecer que o importante é perceber quais são as características que predominam em cada uma delas. E é essencial também perceber que no momento da mudança há uma tendência de negar o passado imediato; em seguida, porém, ocorre um processo de acomodação que vai fazer com que se volte ao passado, refletindo sobre ele, até mesmo para modificar o presente.

Essa volta a um outro tempo fica clara quando observamos que autores situados no século XX, por exemplo, adotam algumas medidas já presentes na literatura de séculos atrás. Vários estudos mostram, assim, que na obra de um poeta como Carlos Drummond de Andrade, em pleno século XX, há muitas características do barroco, escola literária localizada no século XVII.

2

Medievalismo

 

 

Em gran coita, senhor,

que pior que mort' é,

vivo, per boa fé,

e polo voss’amor

       esta coita sofr’eu

       por vós, senhor, que eu

Vi polo meu gran mal,

e melhor me será

de morrer por vós já

e, pois me Deus non vai,

       esta coita sofr`eu

       por vós, senhor, que eu

Vi polo meu gran mal,

e melhor me será

de morrer por vós já

e, pois me Deus non vai,

       esta coita sofr`eu

       por vós, senhor, que eu

Vi por gran mal de mi,

pois tam coitad' and'eu.

                                                               (D. Dinis)

       O Medievalismo é o nome é o nome com que designamos a escola literária que reúne as obras produzidas na idade média. É verdade que há aqui uma coincidência: o estilo de época corresponde ao período histórico. Alguns autores, inclusive, costumam chamá-lo mesmo de idade Média; outros registram o  nome de Cantigas Medievais em função do tipo de produção atística que aí predominava.

En gran coita, senhor,

Que pior que mort’é,

Vivo, per boa fé,

e polo voss’amor

       esta coita sofr’ eu

       por vós, senhor, que eu

 

Vi polo meu gran mal,

E melhor me será

De morrer por vós já

e, pois me Deus non val,

       esta coita sofr’eu

        por vós, senhor, que eu

 

Polo meu gran mal vi,

E mais me vai morrer

Ca tal coita sofrer,

Pois por meu mal assi

       Esta coita sofr’eu

        Por vós, senhor, que eu

 

 Vi por gran mal de mi,

  Pois tam coitad’and’eu.

                                                  (D. Dinis)

 

O Medialismo é o nome com que designamos a escola literária que reúne as obras produzidas na idade média. É verdade que há aqui uma coincidência: o estilo de época corresponde ao período histórico. Alguns autores, inclusive, costumam chama-lo mesmo de Idade Média; outros registram o nome de Cantigas Medievais em função do tipo de produção artística que aí predominava.

 

A Igreja: a dona da voz

A idade Média é conhecida como um período em que a Igreja constituía o grande poder. Econômica e politicamente forte, ela representava o papel de grande centro produtor de cultura. Todo o trabalho intelectual respeitado se desenvolvia nos monastérios, de onde provinha as leis, os dogmas e as verdades a serem respeitadas e repetidas. Ao Santo Ofício cabia julgar aqueles que ousavam desafiar tais verdades. A alguns, mediante o arrependimento público, era concedida a chance do perdão. Aos outros, restava fogueira.

Graças a essa atmosfera, a idade Média é vista como um tempo marcado pelo temor religioso, pelo medo do novo, pela obscuridade, o que não é inteiramente verdadeiro. Hoje, passados tantos séculos, não é difícil verificar que, apesar do clima meio tenebroso, essa não foi uma época morta. Até mesmo porque como a história é feita de movimentos nunca há uma só voz a falar. Assim, vamos reconhecer que aí, quando predominava a chamada visão teocentrica, no reino da literatura, em oposição à poesia feita pelo clero, surge a poesia cavalheiresca. Aqui, possivelmente pela primeira vez, o profano vence o sagrado, numa luta que atravessa os tempos.

 

A voz de outros donos

 

Numa sociedade em que a Igreja detinha o poder de determinar a vida e a morte das pessoas, poderíamos imaginar que a literatura tivesse como tema exclusivo o culto aos valores sagrados. O variado repertório de obras medievais revela-nos, contudo, que fora dos muros das abadias e dos conventos, fazia-se uma literatura que optava francamente por outros caminhos.

Na poesia, o espaço era ocupado pelas cantigas, assim chamadas por se apresentarem acompanhadas por instrumentos musicais de sopro, corda ou percussão (a flauta, a guitarra, o alaúde, a viola, a harpa, o tambor, o pandeiro, etc.). Composta pelo trovador (homem de origem aristocrática), era, muitas vezes, cantada por um jogral ou menestrel. Produzida por nobres, essa literatura era marcada por fortes traços da oralidade, o que a aproximava das manifestações da cultura popular.

Na prosa, nossos olhos encontram os romances de cavalaria e obras que se caracterizam pelo seu caráter historiográfico. Entravam em cena, principalmente, os cavaleiros medievais, heróis míticos, como o Amadis de gaula (figura importantíssima na literatura da península Ibérica) e o Rei Artur que, com cavaleiros de sua corte, tornou-se uma espécie de símbolo da resistência Bretã contra a invasão anglo-saxônica.

No terreno da historiografia, as narrativas tinham como assunto as histórias de família. Numa sociedade em que a divisão de classes parecia rigidamente consolidada, os personagens de tais histórias eram, naturalmente, os reis e os nobres. família.

 

Quem inventou o amor (?) –

 

Não se pode afirmar que o cavaleiro poeta inventou o amor, nem que a poesia cavalheiresca o trouxe para a literatura. Mas pode-se dizer que nesse momento o sentimento amoroso é abordado de um outro ângulo e ganha, portanto, um novo sentido.

Ouvimos dizer com frequência e acabamos por repetir que o amor desde sempre, eternizou-se como tema em nossa literatura. A colocação não é, evidentemente falsa, todavia é preciso compreender as dimensões dessa verdade. Se o encontramos presente nas páginas da literatura universal, observamos  também que o significado e as formas desse sentimento passam por modificações, às vezes profundas.

 

Até o surgimento da poesia cortês, vamos encontra-lo sobretudo como um pretexto na abordagem de temas considerados essenciais. Assim ele aparece nas grandes obras da literatura grega, onde a grande reflexão se prende à situação do homem no mundo, às relações de poder, ao seu diálogo com os deuses. E, nesse caso, como os narradores, eram homens, as mulheres surgiam, então, como mais um objeto entre as várias propriedades do seu marido. Mesmo nas narrativas amorosas, faltava-lhe a dimensão que ele vai ganhar com essa poesia, em que, sem renunciar a uma certa dose de espiritualidade, passa a possuir uma carga de sensualidade, transformando-se em coisa mais viva.

 

O amor não é ainda uma experiência vivida, mas um sentimento intenso que deve colocar o cavalheiro numa posição servil diante da dama. E as convenções são tão fortemente estabelecidas que ela, a amada, é sempre descrita da mesma forma: feições delicadas, cabelos finos e claros, atitudes meigas, gestos refinados. Como nos poemas se repetem as descrições e as situações, temos, muitas vezes, a sensação de estarmos diante do mesmo poeta cantando o seu amor à mesma dama, que deve, a um só tempo, ser desejada e proibida.

 

É interessante notar que essa atmosfera de proibição era muitas vezes justificada concretamente pelo fato de a mulher querida ser casada, o que alimentava o clima erótico do poema. Essa tão ousada atitude --- a de exaltar o amor a uma mulher proibida --- pode ser interpretada como um gesto de desobediência à Igreja que detinha como já vimos, o grande poder da época. Embora hoje estas cantigas nos

 

pareçam inocentes, devemos atentar para o caráter contestador que guardava um poema ao falar de um amor carnal numa época em que todo o prazer deveria estar reservado ao espírito.

 

Cantos, encantos, desencantos –

 

Os textos mais antigos escritos em língua portuguesa são as cantigas que viveram o seu apogeu entre os anos 1250 e 1350. Hoje, elas estão reunidas em coleções chamadas cancioneiros da ajuda (com 310 cantigas) é o mais antigo deles. Os outros dois conhecidos são o Cancioneiro da Biblioteca Nacional ou Collocci-Brancutti (com 1.647 cantigas) e o Cancioneiro da Vaticana (com 1205 cantigas).

 

Tendo em comum o fato de serem apresentados com o acompanhamento de instrumentos musicais, esses poemas se dividiam em dois grandes grupos, que se subdividiam em outros dois grupos. De um lado nós tínhamos as cantigas de amor e as de amigo; do outro lado tínhamos as de escárnio e de maldizer. As duas primeiras iniciam a produção do gênero lírico da literatura em língua portuguesa; as duas últimas incluem-se no gênero satírico.

Muitos trovadores dessa época ficaram bastante famosos e suas obras chegaram até nossos dias. Entre eles você pode encontrar D. Dinis, o rei trovador, Paio Soares de Taveirós (autor do mais antigo poema registrado na Península Ibérica), Martin Codax e outros. Escrita por qualquer um desses autores, a situação apresentada era sempre a mesma: um cavaleiro confessa seu amor por uma mulher inatingível. Símbolo da perfeição e da pureza, a mulher que socialmente vivia uma situação de dependência, na cantiga era tratada como uma deusa a quem o poeta devia servir.

Esse ideal de amor cortês cantado nesses poemas caracteriza a chamada cantiga de amor, que nasceu na região provençal, situada no sul da França, e chegou à península Ibérica através dos jograis que viajavam pelos lugares apresentando essas obras. Como tudo que se movimenta e circula, esses poemas naturalmente, sofriam modificações nas terras em que chegavam.

A cantiga de amor, bastante marcada por várias regras estabelecidas, pode ser, do ponto de vista do tema, interpretada de um outro modo, podendo ser vista como algo mais que uma manifestação de sofrimento causado por um amor não-correspondido. Como ela é uma espécie de produto da sociedade feudal, é possível encará-la como uma imagem do comportamento do cavaleiro diante do poderoso senhor, que era, frequentemente, o marido da dama a quem ele rendia graças em seus poemas. Assim, a mulher acaba sendo considerada uma peça que simboliza o poder do grande dono e o amor cantado passa a ser uma prova da fidelidade e da dedicação do vassalo ao senhor.

A cantiga de amigo, mesmo tendo como tema mais importante os sofrimentos e as expectativas trazidas pelo sofrimento amoroso, difere bastante da cantiga de amor. Agora a mulher não é o objeto do amor do cavaleiro; ela assume o papel de sujeito: é a voz feminina que canta, encanta e decanta o seu amor, as suas angústias, as suas esperanças e desesperanças diante da ausência do amado, de sua falta de notícias, de sua indiferença.

Como explicar o aparecimento de uma produção aparentemente feita pela mulher quando nos lembramos que nessa época elas não aprendiam a escrever? Esse mistério se explica pelo fato de que a mulher era apenas aparentemente autora de tais poemas. Na realidade eles eram escritos por homens que procuravam captar o que julgavam ser a sensibilidade feminina e apresentar situações sob a perspectiva da mulher. Assim, D. Dinis, por exemplo, somente adotava, ao compor uma cantiga de amigo, um recurso que hoje vemos constantemente em autores de nossa música popular, como Chico Buarque.

Nessas cantigas, em geral, menos sofisticadas, que as cantigas de amor era bastante comum a presença do refrão ou do estribilho, recurso baseado na repetição constante de um ou mais versos, com o objetivo de reforçar o seu sentido. As cenas que ela descreve são mais dinâmicas e a mulher que fala se assemelha a um personagem que desenvolve algumas ações: conversa com a mãe ou amigas, lava roupas,dança, se move. Ao contrário da ideia de mulher que temos na poesia cortês, ela parece ter uma existência concreta.

            O ambiente ali descrito é aquele que caracteriza a vida rural: e a hora dos campos, riachos, vales, montes, cascatas etc. Essa paisagem mais integrada à natureza e o movimento que aí percebemos sugerem a ligação que há entre essa poesia e o canto e a dança.

            As cantigas de escárnio e as cantigas de maldizer são as mais conhecidas entre as do gênero satírico. O que define é a presença da ironia, do deboche, da desvalorização daquele de quem o texto trata.

            As de escárnio são mais brandas em suas críticas e não revelam o nome do criticado. Já as de maldizer, firmes em seu objetivo de ridicularizar, apontam fortes problemas ou graves defeitos na pessoa de que falam, explicitando, inclusive, o seu nome, lançando mão muitas vezes de palavrões. Pelo nível da linguagem com que acusam, podemos dizer que a musa nesses textos é, na realidade, uma vítima.

3

Renascimento

Cessem do sábio grego e do Troiano

As navegações grandes que fizeram;

Cale-se de Alexandro e de Trajano

A fama das vitórias que tiveram;

Que eu canto o peito ilustre Lusitano,

A quem Netuno e Marte obedeceram.

Cesse tudo que a Musa antiga canta,

Que outro valor mais alto se alevanta.

Comendo alegremente, perguntavam,

Pela Arábica língua, donde vinham,

Quem eram, de que terra, que buscavam

Ou que partes do mar corrido tinham?

Os fortes Lusitanos lhe tornavam

As discretas respostas que convinham;

_Os Portugueses somos do Ocidente,

Imos buscando as terras do Oriente.

                                                                  (Luís de Camões)

          O nome Renascimento não identifica apenas a escola literária que sucede a Literatura medieval. Vamos encontrar esse termo denominando uma coisa mais ampla: o enorme conjunto conjunto de transformações por que passa a cultura a partir do século XV. A humanidade assiste. nesse período, a um efervescente desenvolvimento no campo das letras, artes e ciências.

Deus no céu e o homem na terra:

Como já vimos, não se pode falar em morte cultural durante a idade Média, o que torna o nome Renascimento meio inadequado. Na verdade, aquela atmosfera meio desmaiada apenas camuflava a preparação de acontecimentos que iriam balançar o mundo. Os avanços conquistados devem ser vistos como resultado de trabalhos iniciados anteriormente.

A partir dos progressos dos conhecimentos, o homem vai adquirindo uma nova visão das coisas e modificando a sua realidade concreta. Entre tais avanços podemos destacar o aperfeiçoamento da astronomia, da matemática e da medicina e o desenvolvimento da navegação.

Essas conquistas conduzem às chamadas grandes descobertas (a América, o caminho marítimo para as Índias, o Brasil etc.) que vão modificar profundamente a imagem que o homem europeu possuía da terra. Não podemos esquecer que mais terra implicava maior riqueza e, portanto, maior poder aos países responsáveis pela sua posse. A busca de novas fontes de riqueza nesse estágio da economia mundial levava os países a se lançarem na tentativa de anexar outros territórios aos seus.

O sucesso nessa área estimulava novos investimentos e alimentava a confiança do homem europeu em si mesmo. Disfarçando seu desejo de poder através de desculpas como a necessidade de civilizar os homens de outras culturas diferentes da sua, o conquistador europeu não escolhia recursos par concretizar seus objetivos: aprisionava, espoliava, matava, da forma que fosse necessária para apossar-se da riqueza do outro.

Como a história foi sempre contada pelo conquistador essa época ficou conhecida como a das notáveis descobertas. Hoje, quando os antigos derrotados começam a conquistar o direito de manifestar o seu ponto de vista, vamos encontrá-la também como o período de terríveis invasões e muitas atrocidades.

De qualquer forma, porém, não se pode ignorar que esses fatos alteraram bastante a cara do mundo e mexeram no desenvolvimento da História. Até então, acreditava-se que a terra era plana e era inviável pelo Oceano Atlântico, dono de águas tenebrosas, certamente habitadas por temíveis animais.Quando os avanços científicos tornam isso possível, o homem europeu amplia os seus limites e sente-se menos dependente dos poderes e favores divinos.

Essas transformações que evidentemente possuem uma estreita relação com as modificações econômicas sociedade, vão interferindo na forma de pensar e no modo de agir do homem. Dessa maneira, a sociedade vai se desligando do forte domínio da Igreja e a arte vai também se voltando para a realidade terrena.

Em muitos textos sobre o período, você vai encontrar a expressão antropocentrismo para designar a visão de mundo que aí predominava. Essa bela palavra significa apenas que o pensamento da época via o homem como centro do mundo, em oposição ao teocentrismo da idade média que enxergava Deus como medida de todas as coisas.

Mesmo sem perder a fé nos poderes divinos, o homem assume uma outra posição, buscando um lugar mais destacado. Ele procura tornar-se um ser capaz de realizar grandes feitos, isto é, uma espécie de deus na Terra.

Entre Deus e Zeus:

Esse novo homem que vai habitar esse novo mundo substitui o medo religioso que lhe bloqueava os passos pela crença na racionalidade como elemento capaz de transformar a vida. Essa valorização da capacidade de conhecer as coisas pelo uso da razão revela o interesse pelo universo humano e vai gerar uma concepção de vida que ficou conhecida pelo nome de humanismo.

Para expressar essa profunda confiança no homem, o artista vai buscar como modelo a Antiguidade clássica greco-latina. A escolha de tal repertório se explica pelo destaque que aquela sociedade atribuía ao homem e à vida terrena. Dos gregos e latinos vem a herança da noção de equilíbrio, vem a certeza de que só através da inteligência e da  razão seria possível atingir a beleza, o bem e a verdade.

A valorização desses aspectos será na obra renascentista intensamente alimentada pela forte influência do desenvolvimento científico que a humanidade estava vivendo. A observação minuciosa e o hábito de analisar com precisão os fatos e a natureza passam a ser encarados como uma espécie de etapa do trabalho artístico, como podemos perceber sobretudo nas artes plásticas.

Na pintura, por exemplo, as obras apresentam como característica fundamental a presença da objetividade. Nos quadros de Leonardo da Vinci e de Botticelli, dois importantes pintores italianos, você pode examinar o uso de planos claros, de figuras claramente definidas, da harmonia entre os elementos horizontais e os verticais na montagem dos espaços.

Na literatura também vamos encontrar como principal característica do Renascimento a busca de ideais como ordem, regularidade e precisão formal, marcas típicas da produção greco-latina. Também deve ser destacada a opção por assuntos considerados nobres como grandes atos heroicos, tal como faz Luiz de Camões e Os Lusíadas, onde canta a viagem de Vasco da Gama às Índias.

Nos textos literários renascentistas você pode observar também que a conservação de vínculos com a religiosidade cristã não impede a utilização dos deuses gregos como símbolos em variadas situações.

A voz muda de dono

A cada passo confirma-se a ideia de que a arte não é um fenômeno isolado dos movimentos econômicos . Embora o artista mantenha um nível de autonomia que outros trabalhadores não possuem, a produção de seu trabalho está ligada a um momento histórico, o que significa que ele jamais está completamente separado do seu tempo e dos homens que o cercam. Por isso, um dos caminhos para estudar a obra de arte é tentar compreender a relação que ela mantém com o universo social em que surge

Sob tal aspecto, podemos e devemos aprofundar a compreensão do que se passava nessa sociedade renascentista. Como nada vive solto no ar, esse desligamento da arte em relação à Igreja é uma consequência da perda de poder dessa instituição. E se a Igreja tem seu poder reduzido, alguém ou algo vai ter o seu ampliado. Assim, o lugar de dono da voz é assumido pela burguesia, classe social que se fortaleceu economicamente com o desenvolvimento do comércio e sente necessidade de se afirmar como uma classe também politicamente forte e de derrubar os privilégios ainda limitados à nobreza.

E o que foi feito do povo?

É curioso notar que nessa época quando as conquistas ampliam objetivamente os horizontes, a produção da obra de arte torna-se muito mais distante do povo do que ocorria na idade Média. Lá era possível, inclusive, perceber que poetas eruditos imitavam a poesia popular. No Renascimento, a arte ficou restrita a uma elite, apesar da possibilidade de divulgação dos textos que se criou com a invenção da imprensa. Tal fato vem mostrar que o desenvolvimento técnico não gera necessariamente bem-estar para a maioria. Podemos mesmo dizer que o bolo cresceu mas os que detinham a faca na mão não se mostraram dispostos a dividi-lo da melhor forma.

4

Barroco

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,

Depois da Luz se segue a noite escura,

Em tristes sombras morre a formosura,

Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?

Se formosa a luz é, por que não dura?

Como a beleza assim se transfigura?

Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na luz, falte a firmeza,

Na  formosura não se dê constância,

E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,

E tem qualquer dos bens por natureza

A firmeza somente na inconstância.( Gregório de Matos)

A força das transformações que o mundo vive no período renascentista vai deixar o homem sobretudo perplexo. E esse sentimento de profunda perplexidade vai se manifestar na composição de um estilo que ficará conhecido pelo nome de Barroco.

Entre o céu e a terra

Durante a Idade Média, apesar daqueles sinais que, como vimos, indicavam alguma vontade de contestação, predominou uma visão do mundo centrada no temor a Deus e na obediência às da Igreja. No Renascimento esse quadro é um pouco alterado quando o homem parece descobrir as suas potencialidades e temos a valorização da vida terrena.  Do fim do século XVI até meados do século XVIII, teremos uma arte que vai refletir a complicada busca de conciliar dois universos tão diferentes.

Consciente de que não podia ser apenas uma simples peça de uma máquina movimentada por mãos que viviam tranquilamente nos jardins do céu, mas já convencido de que não era Deus, o homem do Barroco revela-se um ser dividido, que vai tentar mostrar nos seus poemas a angústia de suas limitações.

Após um período caracterizado pelo predomínio da razão, há o retorno de algumas ideias da Idade Média. A Igreja se mostra mais conservadora e reage aos ideais pregados pela burguesia envolvida num universo voltado para as coisas terrenas(dinheiro, aventuras, invenções, descobertas, etc.). Como é impossível apagar o passado, essa volta não se dá impunemente e os valores medievais são vistos agora pelos olhos de um outro homem que não podia, evidentemente, ignorar as conquistas efetuadas.

Para esse fechamento Igreja contribuiu bastante um movimento religioso que teve como objetivo reconquistar o espaço perdido. Conhecido pelo nome de contra reforma, este movimento irradiou-se a partir da Espanha, onde o Barroco foi muito forte, e veio atingir a Itália, vista  como o berço do Renascimento.

O nome do estilo:

Para esse fechamento da Igreja contribuiu bastante um movimento religioso que teve como objetivo reconquistar o espaço perdido. Conhecido pelo nome de contra reforma, este movimento irradiou-se a partir da Espanha, onde o Barroco foi muito forte, e veio atingir a Itália, vista  como o berço do Renascimento.

Alguns autores afirmam que Barroco era o nome de uma pérola caracterizada justamente pela superfície irregular, o que confirmaria o que acabamos de dizer. O que se sabe ao certo, porém, é que esse nome surgiu posteriormente e era utilizado para designar trabalhos artísticos que os classicistas consideravam extravagantes.

Antíteses, paradoxos, contradições:

Sob esse véu de mistérios, quando vigora a tendência de conciliar visões opostas, surge uma arte caracterizada pelo culto do contraste. Tudo no Barroco parece estar em tensão, refletindo de forma profunda o pensamento desse homem imprensado entre o espírito cristão e a racionalidade renascentista.

Essa situação em que a dúvida se apresenta como única certeza vai gerar uma arte que poderia ser definida como um conjunto de oposições. Assim, na pintura essa concepção se expressa através da utilização de formas contrastantes e do jogo de claro - escuro, impedindo, pois, a presença daquela linearidade que marcava a produção renascentista.

Para traduzir esse confronto de ideias e sensações, o poeta vai criar uma linguagem também baseada no jogo de contrastes e no uso das construções indiretas. No poema de Gregório de Matos que introduz este capítulo, você pode observar como ele inverte a ordem dos termos nas orações ("Nasce o sol (...)", "Se formosa a luz é  

 (...)",") palavras cujos sentidos se opõem (tristezas/alegria, firmeza/inconstância)

Como deixa ver esse exemplo, o poema barroco vai se apresentar como um jogo de imagens onde o poeta busca registrar os dilemas de sua consciência tão cheia de divisões. Usando principalmente figuras de linguagem como antíteses (aproximação de palavras de significados opostos) e paradoxos (aproximação de ideias contraditórias num mesmo pensamento), ele constrói textos que falam principalmente de temas como a morte, as da vida, a passagem irreversível e danosa do tempo, revelando uma visão pessimista do mundo. dores

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