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Qualquer ideia que te agrade,
Por isso mesmo é tua.
O autor nada mais fez que vestir a verdade
Que dentro de ti se achava inteiramente nua...
"Mário Quintana"
POR QUE LER LITERATURA INFANTIL E JUVENIL NA ESCOLA
“Mais vale uma cabeça bem feita que uma cabeça bem cheia”. Esse pensamento de Montaigne pode nos ajudar a alinhavar algumas ideias a respeito da importância da leitura na escola.
Se considerarmos que a educação deve ocupar-se mais com o desenvolvimento da maneira de pensar do que ater-se à memorização de conteúdos previamente estabelecidos, perceberemos que a escola deveria, como uma de suas funções básicas, propiciar ao aluno atividades que desenvolvessem sua capacidade de raciocínio e argumentação, sua sensibilidade para a compreensão das múltiplas facetas da realidade.
A escola, portanto, deveria ser, antes de tudo, o espaço para o exercício da liberdade, pois que sem liberdade esse desenvolvimento nunca poderia ocorrer. E se aceitarmos a ideia de que a literatura é uma forma particular de conhecimento da realidade, uma certa maneira de ver o real, perceberemos que ela pode ajudar enormemente o professor nessa tarefa educacional.
PORTUGUÊS EM DESTAQUE
Ler literatura propicia a percepção de diferentes aspectos da realidade. A literatura dá forma a experiências que, muitas vezes, são desconcertantes para o leitor, ajudando-o a situar-se no mundo.
Essa função enriquecedora da literatura deve ser aproveitada na escola, permitindo que professores e alunos se juntem numa atividade criativa, que abre horizontes e desenvolve o senso crítico. E esse desenvolvimento é um esforço de desalienação do leitor, possibilitando-lhe acercar-se do real e libertar-se de formas estereotipadas de ver o mundo.
A boa literatura problematiza o mundo, tornando-o opaco e incitando a reflexão; é um desafio à sensibilidade do leitor, que assim se enriquece a cada leitura. A boa literatura não oferece modelos de comportamento nem receitas de felicidade, mas provoca o leitor, estimulando-o a tomar posição diante de certas questões vitais.
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Mas essa característica estimuladora da literatura pode ser anulada se, em sala de aula, o texto for submetido a uma prática pedagógica que o empobreça, reduzindo as possibilidades de exploração.
O professor é o intermediário entre o texto e a criança. Mas como leitor experiente cabe a ele a tarefa delicada de intervir e esconder-se ao mesmo tempo, permitindo que a criança e o texto “dialogue” o mais livremente possível. É só através desse “diálogo” que a ação desalienadora da literatura pode se fazer sentir.
O aluno não deve ser “intimidado” a concordar sempre com a interpretação do professor, não deve ter sua leitura totalmente dirigida. Ao contrário, ao contrário, cabe ao professor desencadear o processo de interpretações de texto, estimulando o aluno a elaborar e expressar sua própria leitura, fazendo com que ele assuma sua posição de sujeito ao ato de ler.
O texto literário não tem uma resposta, não tem um significado que possa ser considerado único e correto. Ele é um campo de possibilidades que desafia a inteligência de cada leitor individualmente
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Ler criticamente é um processo de apreensão da realidade. A leitura crítica pressupõe uma certa postura do leitor diante do texto, uma atitude ativa e não passiva. O texto se apresenta como um campo de significações a ser explorado pelo leitor, que no ato de ler tece o seu significado.
A leitura crítica é um processo dinâmico de construção de sentido. Ler criticamente é estabelecer relações com outros textos, é ler além das palavras, é explorar as possibilidades de sentido da linguagem. A leitura crítica, portanto é um processo que não termina na escola. Durante a vida toda aprendemos a ler, porque cada texto novo é um desafio e sua leitura nos faz repensar os textos que já lemos.
Nesse sentido, a formação do leitor crítico é um processo que pode ter início na escola mas não se limita a ela. A escola pode desencadear esse processo, deve mesmo alimentá-lo e desenvolvê-lo, mas não pode ter sobre ele um controle total.
O PROFESSOR E O TEXTO
A posição do professor diante do texto é um aspecto relevante a ser considerado. Não se trata apenas de uma questão metodológica mas, sobretudo, do valor que a literatura efetivamente possui para o professor. Este não pode querer sensibilizar alguém para a literatura se não estiver, ele mesmo, sensibilizado. E estar sensibilizado significa, entre outros aspectos, respeitar o texto que nos desafia, respeitar o leitor enquanto sujeito do ato de ler.
E se estimular o gosto pela leitura é um dos objetivos que levam a sugerir leituras, o leque de opções à ser oferecido à criança deve ser o mais amplo possível, e o processo de leitura realizado em sala de aula, o mais democrático possível, no sentido de permitir a expressão individual dos alunos. Por isso é importante que o professor, antes de tudo, seja um bom leitor, tenha um bom repertório de leituras, para poder realmente orientar e estimular seus alunos. A formação do professor é, portanto, um outro aspecto relevante a ser considerado.
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EXPLORAÇÃO DE TEXTOS EM SALA DE AULA
Para alunos que estão se iniciando na leitura de narrativas literárias, é recomendável trabalhar com textos de estrutura linear, em que a sequência de ações das personagens seja claramente perceptível.
O assunto deve estar no horizonte de interesse desses leitores, e a linguagem, evidentemente, deve ser acessível, evitando-se os livros cujo vocabulário esteja muito acima do repertório médio dos alunos, pois isso constitui obstáculo à fluência da leitura e conduz, quase sempre, ao abandono do livro.
A leitura deve ser sempre acompanhada pelo professor, que estimulará a classe a comentar as personagens, o ângulo de abordagem do tema, a simbologia das situações apresentadas. A experiência tem comprovado que esse acompanhamento é um forte estímulo à leitura, pois instiga o aluno, excita sua curiosidade e abre seu campo de reflexão, possibilitando-lhe descobrir aspectos menos evidente do texto.
Através desse procedimento, o professor já estará em condições de avaliar o grau de compreensão apresentado pela classe e, a partir do resultado obtido, elaborar a programação de futuras sugestões de leitura.
Algumas editoras já oferecem um roteiro de leitura bastante útil aos professores em seus livros paradidáticos. Esse roteiro não tem a pretensão de esgotar as possibilidades de análise da obra; seu objetivo é tão-somente oferecer um ponto de partida para o trabalho em sala de aula. Ele propõe algumas atividades que permitem ao professor verificar, sobretudo, o nível de compreensão literal do texto, etapa inicial e fundamental para a realização de posteriores debates e seminários, que só o professor, com o conhecimento que tem dos alunos, saberá desenvolver a contento.
Crônica: gênero entre o jornalismo e a literatura
O nascimento da crônica moderna se deu entre os séculos 14 e 15, em Portugal. Como cronista real, Fernão Lopes (1380?- 1460?), guarda-mor da Torre do Tombo em Portugal, tinha o papel de registrar e arquivar a cronologia dos reinados e de toda a história das dinastias portuguesas. Lopes foi o primeiro a produzir textos com características modernas: a autoridade das informações advinha da referência documental, o autor mantinha-se distante e neutro em relação aos fatos, buscando narrar a realidade afastado das emoções e subjetividades. O gênero tinha, então, um viés historiográfico.
A partir do século 19, através de sua difusão no meio jornalístico, os autores passam a utilizar a crônica como meio de análise subjetivas de acontecimentos cotidianos, comentando temas próximos aos leitores de jornal.
No Brasil, o caráter mais breve e informal do gênero permitiu que ele fosse utilizado como espaço de exercício para grandes autores como José de Alencar, Manuel Antonio de Almeida, Raul Pompéia e Machado de Assis no século 10 e Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Manuel Bandeira, Nelson Rodrigues, João do Rio, Lima Barreto, Fernando Sabino, entre outros do século 20. Entretanto, grandes escritores tiveram seu talento reconhecido por conta de textos do gênero que publicavam nas páginas de jornais e revistas, como Luís Fernando Veríssimo, Carlos Heitor Cony e Mário Prata.
Destes, Rubem Braga (1913-1990) é o principal representante. Seu trabalho, publicado ao longo de sua vida em diversos jornais, compilações e antologias, acabou por elevar a crônica ao patamar de grande literatura. O centenário do autor pode ser uma boa oportunidade para explorar com a turma as principais características do gênero, estimulando a produção de textos.
- Procurar descobrir o que os alunos já sabem sobre o gênero e como se relacionam com ele. Pergunte se costumam ler textos desse tipo, se reconhecem algumas de suas características e se conhecem alguns autores.
- Explicar que a origem da palavra crônica está ligada à noção de tempo. Chame a atenção para palavras que possuem a mesma raiz, como cronograma, cronômetro e cronologia. No gênero, essa relação com o tempo se mostra tanto na brevidade dos textos quanto no fato de ele se basear em acontecimentos cotidianos.
- Concluir a apresentação do gênero, destacando sua aproximação tanto de textos jornalísticos quanto da literatura. De um, ele herda a brevidade, a aproximação com o leitor e o embasamento em fatos cotidianos. Do outro, o lirismo, o humor, a subjetividade e a elaboração da linguagem.
MOSCAS, E TETO AZUL
Amigos dizem-me: pinte o teto de sua cozinha de azul, assim não entrarão moscas.
Desço a escada sonhador e perplexo; será verdade? Quem descobriu que moscas não amam teto azul, esse delicadíssimo segredo da construção civil, fino mergulho na sensibilidade aérea do inseto aborrecido para nós, mas em si mesmo respeitável como todo ser?
Faz o homem sua casa e não quer moscas, pinta de azul seu teto, moscas chegam até a janela, olham lá dentro para cima, pensam: pintou de azul o teto, ele não nos ama, adeus.
A relação mosca-homem é incessante no mundo, tanto que o homem a chama oficialmente Musca doméstica, celebrando seu amor à casa do homem, imaginando talvez que não havia moscas antes de haver casas, como certamente não existiam andorinhas sem beirais para viver e fios telefônicos onde se encontrarem as amigas e bater um papo olhando a tarde; uma criança nascida em Brasília que não sair de lá morrerá sem ver andorinhas, triste sina.
Cuida o leitor que estou escrevendo bobagens, e é certo. Mas eu sei das bobagens, e é certo. Mas eu sei das bobagens minhas, elas têm um enredo íntimo. Estou escrevendo assim à toa e já estou vendo para onde vou indo; comecei a falar de mosca, já passei para andorinhas, o resto é fácil de imsginnar, estou pensando nessa andorinha cigana que apareceu na minha varanda e sozinha, sozinha, não fez verão, mas fez uma súbita, ainda úmida, inquietante primavera, com seus ventos e frias luas.
Vai durar? Tenho certeza de que não, mas me pergunto às vezes, e dirijo aqui esta pergunta aos homens que sabem as coisas, que são os homens poetas: acaso se pode prender mulher como quem prende passarinho na gaiola? Nosso deleite com mulher e passarinho não se estraga assim no seu mais íntimo sentido, que é de ter num instante o que é em si mesmo uma elusiva criatura - a posse de evanescente? Na minha varanda já apareceu canário, até beija-flor, até uma uma deusa, oh, tu, Diana, caçadora de brisas, que presides aos destinos das nuvens errantes e das espumas do mar.
Sei como faço: fico sério, trêmulo por dentro, mas dono do mundo e de mim, sentindo na cabeça a leve mão de Deus e o cício inaudível de sua voz dizendo: "Eis aí."
Assim também A ouvirei quando reconhecer que foi a morte que desceu em minha varanda: "Eis aí." E me irei, talvez com um pouco de pena de mim, mas sem medo e sem verdadeira tristeza, me irei como pena de mim, mas sem medo sem verdadeira tristeza, me irei como se vão as moscas ao recuarem, atônitas, perante o teto azul de uma cozinha.
Outubro, 1961
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