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MÓDULO IV

OFICINA de REDAÇÃO criaTIVA

(Para quem quer ser escritor)

REDAÇÃO CRIATIVA

REDAÇÃO CRIATIVA

Não é por acaso que iniciei esta apresentação da "oficina de redação criativa", com a relação de alguns livros que li, já pensando nesse projeto. Aliás é justo dizer, que as forças que me impulsionaram nesta direção foi, primeiramente o gosto pela leitura. Gosto este, que não caiu do céu, foi habilmente implantado em meu subconsciente pela minha primeira professora do primário e posteriormente,  outros professores no ginásio e pré-vestibular o fizeram com igual habilidade, além de trazerem de volta  o objeto livro e o prazer da leitura.

Não me lembro de ouvir histórias lidas por minha mãe. Mas, com a quarta série do primário que cursou, na escola que meu avô construiu em sua fazenda, junto com outros proprietários da região, deu a ela conhecimentos de leitura, escrita e sabedoria para, assim que chegássemos em contagem nos matriculasse: eu, meu irmão e minhas três irmãs  no "Colégio Helena Guerra" no Bairro Eldorado. Na ocasião, seguindo uma pesquisa que havia feito junto às novas vizinhas, ficou sabendo do carinho e do zelo que as irmãs tinham com as crianças alí matriculadas. E foi alí. Naquele ambiente "iluminado" que fui ter contato com as histórias que a nossa professora lia, como ponto de partida para suas aulas de Português.

 

O tempo passou. Não sei como começou... Mas de repente, me vi lendo assiduamente revistas em quadrinho e frequentando as matinês no cine Manaus, no bairro Amazonas. Entre trocas, compras e vendas de revistas, antes das sessões do cinema, fui migrando para o livro e nunca mais parei. 

 

O meu primeiro livro de "peso" dois volumes com 500 páginas cada, foi a história de uma criança que ficou perdida na selva e foi adotada por uma família de macacos. Essa história deu origem ao filme do "TARZAN (filme Americano)" que era, junto com o Nacional Kid (filme Japonês) os que mais passavam nos cinemas de bairro, muito comum nos anos 70 em Belo Horizonte e nos municípios que compõem, hoje, a grande BH.

Não tenho dúvidas. A minha história levou-me aos bancos da PUCMG. E de lá saíu um professor de Língua Portuguesa. E são as minhas lembranças, a minha trajetória acadêmica e a minha experiência  de 20 anos, lecionando: Português, redação e literatura para crianças do ensino fundamental e médio, em escolas públicas estaduais e municipais, que me inspiraram "O Português em Destaque" e a "Oficina de redação criativa".

Com a oficina de "redação criativa" vamos atender crianças, jovens e adultos que queiram viajar conosco nessa nave intercontinental carregada de talentos, informações e possibilidades. Conhecer os poetas, cantores, escritores, músicos e artistas desse brasil de muitas vozes, cores e sabores.  Incentivar jovens leitores a lerem e escreverem mais e melhor a respeito da nossa realidade. Levando sempre em conta que: aprende-se a ler, lendo bons autores / aprende-se a escrever, escrevendo cada vez mais. Como fazem esses grandes mestres indicados a seguir: a quem desde já agradeço a disponibilização de suas experiências para o início de nossos trabalhos 

 

NATALIE GOLDBERG

 

Escrevendo

com a Alma

Liberte o escritor que há em você

Introdução

Fui aluna certinha durante todo o meu tempo de escola. Queria que meus professores gostassem de mim. Aprendi a usar vírgula, dois-pontos, ponto - e - vírgula. Fazia redações com frases claras, mas completamente insossas e desenxabidas. Nelas não havia nenhum pensamento original ou sentimento genuíno. Esforçava-me para dar aos professores aquilo que, na minha opinião, eles esperavam de mim.

Na faculdade caí de amores pela literatura. Enlouqueci mesmo. Datilografava os poemas de Gerard Manley Hopkins várias vezes seguidas, na tentativa de decorá-los. Lia John Milton, Shelley e Keats em voz alta, até desmaiar de cansaço na caminha estreita do alojamento em que morava. Como universitária nos anos sessenta, lia exclusivamente escritores homens, quase sempre falecidos, ingleses e europeus em geral. Estavam muito distantes da minha vida cotidiana e, apesar de amá-los nenhum deles era capaz de refletir minha experiência de vida. Inconscientemente, passei a acreditar que o ofício de escrever não estava ao meu alcance. Nunca pensei em tornar-me escritora, embora sonhasse em casar-me com um poeta.

Depois de me formar e constatar que ninguém me contrataria para ler romances e delirar com poesia, abri, numa espécie de cooperativa com mais três amigos, um restaurante de comida natural no porão do Newman Center, em Ann Arbor, Michigan. Era o início dos anos setenta. Só fui provar abacate pela primeira vez um ano antes da inauguração do restaurante. Batizamos o lugar de Naked Lunch, em homenagem ao romance de William Burroughs - "um instante suspenso no qual todos vêem o que há na ponta de todos os garfos". De manhã eu assava muffins com passas e muffins com frutas silvestres ou, se tivesse vontade, até com pasta de amendoim. Naturalmente, eu queria agradar os fregueses, mas sabia que, se os fizesse com cuidado, os muffins eram quase sempre saborosos. Havíamos criado o restaurante, e agora não havia nenhuma grande resposta exterior capaz de nos garantir nota dez na escola. Foi bem ali que comecei a aprender a confiar na minha própria cabeça.

Certa terça-feira, estava eu preparando ratatouille para o almoço. Para fazer essa receita num restaurante, você não corta apenas uma cebola e uma berinjela. O balcão estava repleto de cebolas, berinjelas, abobrinhas, tomates e cabeças de alho. Passei horas picando e fatiando os legumes. Naquela noite, ao voltar para casa, passei pela livraria Centicore, na State Street, e fiquei circulando entre as estantes. Encontrei um livro de poesia, fininho, intitulado Fruits and Vegetables [Frutas e verduras], de Erica Jong. (A autora era desconhecida na época e ainda não havia lançado seu romance "Medo de voar".) O primeiro poema que abri era sobre como cozinhar berinjela! Fiquei estupefata: "Então quer dizer que é possível escrever sobre um assunto desses?" Algo tão trivial? Algo que eu fazia no dia-a-dia? Aconteceu um sinapse no meu cérebro. Fui para casa decidida a escrever sobre coisas que eu conhecia, a confiar nas minhas ideias e nos meus sentimentos e a não olhar para fora de mim. Não estava mais na escola: podia dizer o que eu quisesse. Comecei a escrever sobre a minha família, porque ninguém jamais diria que eu estava enganada. Eu a conhecia mais do que ninguém.

 

Faz quinze anos que tudo isso aconteceu. Um amigo me disse certa vez: "Confie no amor, e o amor a levará aonde for preciso." Permito-me complementar: "Confie naquilo que você ama, continue amando, e o amor levará você a onde for preciso." E não se preocupe muito com a segurança. Você alcançará uma segurança profunda quando começar a fazer o que gosta. Pois quem de nós, mesmo com nossos altos salários, está realmente seguro?

Nos últimos onze anos, realizei oficinas de redação na Universidade do Novo México; na Fundação Lama; para os hippies em Taos, no Novo México; para freiras em Albuquerque; para menores infratores em Boulder; na Universidade de Minnesota; no Northast College, uma escola técnica de Norfolk, NebrasKa; como integrante de programa Poet-in-the-Schools de Minnesota; para grupos de redação na minha casa no domingo à noite; para grupos de homossexuais. Ensino os mesmos métodos em todos os casos. São informações tão essenciais sobre como acreditar no seu intelecto e ganhar confiança na sua experiência que nunca me canso de ensiná-las. Pelo contrário: minha percepção se aprofunda cada vez mais.

Este livro é sobre a escrita. E também sobre como fazer da escrita a sua prática, uma maneira de ajudá-lo a compreender sua vida e tornar-se mais equilibrado. Tudo o que se diz aqui a respeito da escrita pode ser aplicado à corrida, à pintura, a qualquer coisa que você ame e com a qual tenha escolhido trabalhar em sua vida. Depois de me ouvir ler vários capítulos deste livro, meu amigo John Rollwagem, presidente da Cray Research, observou: "Puxa, Natalie, você está falando de negócios. É exatamente assim no mundo dos negócios. Não existe diferença alguma."

Aprender a escrever não é um processo linear. Não existe uma sequência lógica de etapas, um abecê para se tornar um bom escritor. Nenhuma verdade, por melhor que seja, é capaz de responder a tudo. Existem muitas verdades. Escrever significa lidar com toda a sua vida. Se você recebe uma série de instruções sobre como imobilizar um osso quebrado no tornozelo, não pode usar esse mesmo conhecimento para fazer uma obturação dentária. Numa seção deste livro você será orientado a ser específico e preciso. Isso serve para curar o hábito de escrever de maneira excessivamente abstrata e sinuosa. Mas então, em um outro capítulo, será chamado a soltar o controle, a escrever no rítimo da emoção. Isso serve para estimulá-lo a expressar, com uma profundidade, o que você precisa dizer. Já outro capítulo recomendará que você tenha um escritório, que arranje um lugar só seu para escrever, enquanto o capítulo seguinte dirá: "Saia de casa, fuja da louça suja na pia. Vá escrever num café." Cada técnica é apropriada para uma determinada situação. Cada momento é único. Várias coisas diferentes podem funcionar. Não existe certo e errado.

Quando dou uma aula, meu desejo é que os alunos "registrem a essência", o discurso elementar e vivo da mente. Mas também sei que não posso simplesmente dizer: "Pois bem, escrevam com clareza e muita sinceridade." Nas aulas, experimentamos diferentes técnicas e métodos. Mais cedo ou mais tarde, os alunos atingem seu objetivo e descobrem aquilo que devem dizer e como dizê-lo. Mas raramente é uma questão de: "Então, na terceira aula, depois de aprendermos isso e aquilo, vocês saberão escrever bem."

O mesmo ocorre com a leitura desse livro. Lê-lo do começo ao fim, na sequencia, pode funcionar muito bem na primeira vez. Mas você pode também abrir em um capítulo qualquer e começar daí. Cada capítulo foi elaborado como uma unidade independente. Relaxe e tente absorver as informações com o corpo e com a mente, como se por osmose. E não fique apenas na leitura. Escreva. Confie em si mesmo. Descubra as suas próprias necessidades. Use este livro.

PAPEL, CANETA E A MENTE DO INICIANTE

É ótimo dar aulas para quem está começando. Voltar a pensar como um iniciante, relembrar minhas primeiras impressões sobre a escrita. De certa maneira, devemos sempre voltar a pensar como um iniciante toda vez que nos sentamos para escrever. Não há como prever nem garantir que, por termos produzido um texto bom dois meses atrás, seremos sempre capazes de repetir o feito. Na verdade, sempre que começamos um novo projeto, perguntamo-nos como foi que conseguimos fazer aquilo antes. Cada início é uma nova jornada para a qual não existem mapas.

Então, quando dou aulas de redação, tenho de contar a história desde o princípio, sem me esquecer de que aqueles alunos a estão ouvindo pela primeira vez. Tenho de começar bem do começo.

Em primeiro lugar, pense na caneta que você usa para escrever. Ela deve proporcionar uma escrita rápida, pois seu pensamento é sempre muitíssimo mais veloz do que sua mão. Você não quer uma caneta que faça sua mão demorar ainda mais. Esferográficas, hidrográficas e lápis são, certamente, opções mais lentas. Vá até uma papelaria e experimente vários tipos, até encontrar o que mais lhe agradar. Não escolha nada muito chique nem muito caro. Particularmente, sempre uso um modelo baratinho, uma caneta-tinteiro da Sheaffer que custa menos de dois dólares e tem cartucho recarregável. Comprei centenas ao longo dos anos. Já usei várias cores diferentes. Elas sempre vazam, mas são rápidas. Essas novas canetas tipo rollerball também são bem velozes, mas você perde um pouco do controle. É interessante sentir o contato e a textura da caneta sobre o papel.

 

Pense também no caderno. É importante. Ele é o instrumento de trabalho do escritor, assim como o martelo e o prego são as ferramentas do carpinteiro. (Veja que sorte: com um investimento baixíssimo você já abre seu negócio!) Algumas pessoas optam por cadernos  caros de capa dura, mais volumosos e pesados - e tão elegantes que você se sente obrigado a escrever algo bom. Mas o importante é que você se sinta livre para escrever as maiores bobagens sem nenhum constrangimento. Dê-se o espaço necessário para explorar o texto. Um caderno espiral daqueles baratos, proporciona a sensação de logo poderemos completá-lo e comprar outro em seguida. E também é fácil de carregar. Sempre compro bolsas com o tamanho apropriado para acomodá-lo.

 

Garfield, Muppets, Mickey Mouse, Guerra nas estrelas. Gosto de cadernos com capas divertidas. Nunca faltam lançamentos na época de volta às aulas. Custam um pouco mais do que os cadernos espirais, mas eu prefiro. Não posso me levar muito a sério escrevendo num caderno do Snoopy, isso também me ajuda a localiza-los com mais facilidade: " Ah, sim, naquele verão usei cadernos com motivo de cowboy." Experimente vários tipos diferentes - com pauta ou sem pauta, de capa dura ou capa mole. O importante é que você se adapte bem.

O tamanho do caderno também é relevante. Um caderno pequeno cabe no seu bolso, mas sus pensamentos também serão pequenos. Isto não é problema. Willian Carlos Williams, famoso poeta americano e também pediatra, escreveu vários poemas no seu receituário, nos intervalos das consultas.

                                                                                                  Detalhe

  

                                                                                                  Seu doutor, andei te procurando

                                                                                                  Te devo dois paus.

                                                                                                   Como é que vai?

                                                                                                   Bem. Quando arranjar a gaita

                                                                                                   Te trago.

Há muitos poemas do tamanho de receita nas obras reunidas do autor..

Em alguns momentos, em vez de escrever à mão, você talvez queira digitar seu texto. O ato de escrever é físico e diretamente influenciado pelo equipamento que utiliza. Ao datilografar, os dedos pressionam as teclas e produzem uma sequência de letras de fôrma, todas pretas e uniformes: é um aspecto diferente de você que se manifesta. Descobri que, que quando escrevo algo que envolve sentimento,preciso primeiro escrever à mão, diretamente sobre o papel. A escrita à mão, está mais ligada ao movimento do coração. Por outro lado quando escrevo contos, parto logo para a máquina de escrever.

Outra coisa que você pode fazer é ditar o texto para um gravador e ver como se sente dando voz a seus pensamento. Esta forma pode ser conveniente às vezes: digamos que você esteja fazendo a barra de um vestido e de repente comece a lembrar de como foi a história co se ex-marido e decida escrever sobre o assunto. Suas mãos estão ocupadas na costura, mas você pode ditar o texto para o gravador.

Tenho pouca experiência com o computador, mas consigo  imaginar usando um Macintosh, com o teclado no colo, de olhos fechados, digitando sem parar. O computador muda de linha automaticamente. Esse recurso se chama Wraparound. Você pode escrever até cansar. e sem se preocupar com o tilintar da máquinabde escrever sempre que se aproxima do final da linha.

Experimente. Tente também escrever num daqueles grandes blocos de desenho. É verdade que o mundo interior cria o mundo exterior, mas o mundo exterior e as ferramentas que usamos também influenciam a forma tomada por nossas ideias. Que tal escrever no céu?

Escolha seus instrumentos com cuidado, mas não a ponto de se sentir intimidado por eles, ou gastar mais tempo na papelaria do que trabalhando na escrivaninha.

PRIMEIRAS IMPRESSÕES

 

O elemento básico da prática  de escrever é o exercício  com tempo determinado Você pode estabelecer seu lmite em dez minutos, vinte minutos ou uma hora. A escolha é sua . É possível começar com pouco e aumentar o tempo depois de uma semana , oo se jogar de cabeça por uma hora  já na primeira vez. Não faz diferença. O importante é que você cumpra o limite de tempo estipulado para aquela sessão:   

 

     1. Mantenha a mão em movimento. Não pare para reler a linha que acabou de escrever. Isso é se retardar e tentar controlar o que você está dizendo.

     2. Não rasure. Isso é editar enquanto escreve. Mesmo que escreva algo que não pretendia escrever, deixe como está.

     3. Não se prenda a ortografia, pontuação, gramática. Tampouco se prenda às margens ou às linhas da página.

     4. Solte o controle.

     5. Não pense. Não tente ser lógico.

    6. Pegue na veia. Se surgir algo muito forte ou muito chocante no seu texto, mergulhe fundo. É provável que ali exista uma grande fonte

          de energia. 

 

       Essas são as regras. É importante respeitá-las, pois o objetivo aqui é justamente conseguir chegar até aquelas primeiras impressões; é voltar àquele momento longíquo no qual  a energia não havia sido obstruída pelas boas maneiras ou pelo censor interior; é retornar àquele instante em que você escreve exatamente aquilo que a sua mente vê  e sente, Não aquilo que a mente pensa que vê e sente. É uma boa oportunidade para captar todas as estranhesas da sua mente. Explore o lado mais áspero do pensamento. É como ralar uma cenoura: dê ao papel as lascas coloridas da sua consciência.

 

          Essas ideias iniciais guardam uma energia tremenda. São as primeiras impressões que a mente produz a respeito das coisas. O censor interno geralmente as reprime e, por essa razão, permanecemos no nível das segundas e das terceiras impressões, impressões de impressões, distantes duas, três vezes daquela primeira imagem original. Digamos , por exemplo, que a frasae "Arranquei a margarida da garganta" tenha surgido em minha mente. Num segundo momento, meu cérebro - cuidadosamente condicionado pela lógica que diz que 1 + 1 = 2, pela polidez, pelo medo e pela timidez diante do que é natural - responderá: "Isso é ridículo. Você parece um suicida. Não retrate a si mesma tentando cortar a garganta. Pensarão que você é maluca." Se dermos ouvidos ao nosso censor interior, escreveremos: "Minha garganta estava um pouco inflamada, por isso não disse nada." Certinho e sem graça.

 

Além disso, as primeiras impressões não são tolhidas pelo ego, por esse mecanismo em nós que tenta exercer o controle, tentando provar que o mundo é permanente e sólido, constante e lógico. O mundo não é permanente: é mutante e está repleto de sofrimento. Assim, se você expressa algo sem a influência do ego, o resultado também estará repleto de energia , pois expressará as coisas tal como são de verdade. Em vez de carregar o peso do ego em sua expressão, estará velejando nas ondas da consciência humana e usando seu arsenal de particularidades para retratar a viagem.

 

Na meditação zen, costumamos sentar numa almofada chamada zafu, com as pernas cruzadas, coluna ereta, mãos nos joelhos ou na frente do corpo, numa posição denominada mudra. Posicionamos-nos diante de uma parede branca e observamos nossa respiração. Independentemente  do sentimento que estamos experimentando no momento - tempestades de ódio e resistência, furacões de alegria e de tristeza -, permanecemos sentados, coluna ereta, pernas cruzadas, olhando para a parede. Aprendemos  a não nos deixar abalar pela emoção ou pelo pensamento, por mais intensos que sejam.  A disciplina é esta: permanecer sentado.

 

O mesmo ocorre com a escrita. Você precisa ser um grande guerreiro quando toma contato com as suas primeiras impressões e escreve a partir delas. Sobretudo no início, é provável que você seja arrebatado por uma forte emoção ou energia, mas não pare de escrever. Continue usando a caneta e registrando os detalhes da sua vida até chegar ao cerne. Nas aulas iniciais, é comum os alunos chorarem ao ler seus textos. Isso é normal. Às vezes, choram até quando estão escrevendo. Estimulo-os a continuar lendo ou escrevendo mesmo entre lágrimas. Desse modo, completam a tarefa e não se deixam desconcentrar pela emoção. Não se deixe interromper pelo choro; prossiga até encontrar a verdade. Disciplina é isso.

 

Acima de tudo, sabe por que as primeiras impressões são tão poderosas? Porque são sinônimos de frescor e inspiração. Inspiração vem de inspirar, inalar. Inalar de Deus. Na verdade, você se torna maior do que si mesmo e as primeiras impressões se fazem presentes. Elas não são um simulacro daquilo que está realmente acontecendo ou daquilo que estamos sentindo. O presente está imbuído de uma energia extraórdinária. As coisas são o que são. Ao sair de um retiro de meditação, uma amiga budista comentou: "As cores ficaram muito mais vibrantes." Ao que seu instrutor respondeu: "Quando estamos presentes, o mundo se torna verdadeiramente vivo."

 

A PRÁTICA DE ESCREVER

 

Aprender a escrever requer prática. É como correr: quanto mais treinamos, melhor o nosso desempenho. Em certos dias, estamos sem vontade de correr e cada passo e uma luta naqueles cinco quilômetros. Mas corremos mesmo assim. Querendo ou não, treinamos. Ninguém fica esperando por uma inspiração ou por um desejo repentino de correr. Isso nunca acontecerá, principalmente se estivermos fora de forma ou evitando o exercício. Mas, se corremos com frequência, treinamos a mente para vencer ou ignorar a resistência. simplesmente corremos. Na metade do caminho, estamos adorando. No final, não queremos parar. E, quando paramos, não vemos a hora de começar de novo.

 

Com escrever também é assim. Uma vez envolvidos de corpo e alma na atividade, sempre nos perguntamos por que demoramos tanto tempo para sentar e começar a trabalhar. A prática realmente leva à perfeição. Você aprende a ter mais confiança no seu "eu" interior e a não ceder à voz que tenta desestimulá-lo a escrever. Achamos normal que um time de futebol treine por tantas horas seguidas antes de um jogo; entretanto, quando se trata de escrever, raramente nos damos a oportunidade de praticar.

 

Quando for escrever, não diga: "agora vou escrever um poema." Essa atitude o paralisará imediatamente. Evite ao máximo as expectativas. Diga: "Sou livre para escrever as maiores bobagens do mundo." Permita-se escrever sem destino. Tive alunos que afirmaram ter decidido escrever o maior romance americano e, desde então, não passaram da primeira linha. Se tiver muitas expectativas toda vez que se sentar à escrivaninha, o processo de escrever será sempre frustrante. Sem falar que toda essa ansiedade poderá afastá-lo ainda mais do exercício de escrever. 

 

Minha regra é completar um caderno por mês.  ( Volta e meia crio essas regrinhas para mim mesma.) Simplesmente preenchê-lo. É assim o treino. Meu ideal é escrever todos os dias. Repito: trata-se de um ideal. Tomo cuidado para não me criticar nem ficar ansiosa se não consigo cumprí-lo. Não se pode viver preso a ideais.

 

Nos meus cadernos, não me preocupo com as margens laterais ou com a margem superior: uso a página toda. Não estou mais na escola. Não escrevo mais para o professor ler. Escrevo para mim mesma e, portanto, não preciso ater-me a limites, muito menos a margens. Isso me proporciona uma certa licença psicológica. E quando estou escrevendo, com a mão na massa, pouco me importa a ortografia ou a pontuação. Até minha caligrafia muda. Ela se torna maior e mais solta.

 

Muitas vezes, ao observar os alunos escrevendo na sala de aula, sou capaz de distinguir quais deles estão realmente presentes, de corpo e alma, naquele momento. Eles se mostram mais intensamente envolvidos na tarefa e exíbem uma postura corporal mais relaxada. Mais uma vez é como na corrida. Há pouca resistência quando o exercício é bem-feito. Todo o seu ser está em movimento: o "eu" não se separa do corredor. Quando estamos realmente presentes ao escever, não existe escritor, papel, caneta, pensamento. Só o escrever acontece - todo o resto desaparece.

 

Um dos principais objetivos da prática de escrever é aprender a confiar na sua mente e no seu corpo; tornar-se a cada dia mais paciente e menos agressivo. A arte pertence a um mundo maior. Se é um poema ou um conto, não faz lá muita diferença. O importante é o processo de  escrever e viver. Muitos autores escreveram lívros fantásticos e acabaram loucos, alcoólicos, suicidas. Essa prática nos ensina a sanidade. Tentamos ser sãos enquanto escrevemos nossos poemas e contos.

 

Chogyam Trungpa Rinpoche, mestre budista tibetano, dizia o seguinte: "É preciso abrir-se mesmo em face da oposição mais hostil. Ainda que nada nos motive, devemos sempre desfolhar as pétalas do coração." O mesmo ocorre com a prática de escrever. É preciso continuar a se abrir e confiar na sua voz e no processo em si. No final, se o processo for bom, o resultado também será bom.

 

Certa vez, uma amiga me contou que, sempre que fazia um bom desenho em preto-e-branco e decidia colorí-lo, treinava antes com outras figuras de qualidade inferior, como um de aquecimento. Praticar também é um aquecimento para qualquer coisa que você se proponha escrever. É o pontapé inicial, é a maneira mais primitiva  e original de começar. A confiança que você adquire em sua voz interior pode ser direcionada a uma carta comercial, um romance, uma tese de doutorado, uma peça, um livro de memórias. Mas isso é algo a que você deve voltar sempre e sempre. Não pense: "Agora sim! Já sei escrever. Confio na minha voz. Estou pronto para escrever o romance do século." Estar pronto para escrever um romance é ótimo,mas nunca deixe de se dedicar ao treino. É isso que o mantém afinado, como um bailarino que faz aquecimento antes de dançar ou um atleta que faz alongamento antes de correr. Os corredores não dizem: "Corri ontem, então já estou preparado."  Eles se aquecem e se alongam todos os dias.

 

A prática de escrever se estende a todos os aspectos da sua vida e não impõe nenhuma sequência lógica: não há nenhum capítulo 19 dando sequência ao capítulo 18. É  o momento de se soltar, de ser livre para misturar a lembrança da sopa que sua avó fazia com a imagem deslumbrante das nuvens vistas da sua janela. Não há uma direção a seguir e diz respeito somente a você e ao tempo presente. Imagine que a prática de escrever é um espaço que sempre o acolherá de braços abertos, sem lhe exigir nenhuma lógica ou coerência. É a nossa floresta selvagem, onde reunimos  energia para ir aparar o nosso jardim, escrever nossos belos poemas e romances. É prática contínua.

 

Agora sente-se. Dê-me este momento. Escreva o que estiver passando por sua cabeça. Você pode começar com "neste momento" e acabar escrevendo sobre a gardênia que usou o seu casamento, sete anos atrás. Tudo bem . Não tente controlar nada. Esteja atento a tudo o que surgir e mantenha a mão em movimento.

 

COMPOSTAGEM

A consciência leva um certo tempo para filtrar as experiências. Por exemplo, é difícil escrever sobre o amor quando estamos envolvidos numa paixão arrebatadora. Não temos o distanciamento necessário. Tudo o que conseguimos dizer é "estou loucamente apaixonado", centenas de vezes. Também é complicado escrever sobre uma cidade para a qual acabamos de mudar; ela ainda não se incorporou a nós. Nao conhecemos bem a nossa nova casa, mal sabemos chegar até a farmácia sem nos perder. Ainda não passamos ali três invernos nem vimos os patos migrarem no outono e retornarem aos lagos na primavera. Hemingway escreveu sobre Michigan enquanto estava sentado no café em Paris. "Quando estiver longe, talvez eu possa escrever sobre Michigan. Não sabia que era muito cedo para isso, porque ainda não conhecia Paris o suficiente."

 

Os nossos sentidos, por si sós, não têm inteligência. Eles absorvem as sensações,mas precisam daquela fertilidade que surge quando sofrem a ação prolongada de nossa consciência e de todo o nosso corpo. Chamo esse processo de "compostagem". Imagine que o corpo é um depósito de lixo: acumulamos experiência e, a partir da decomposição das cascas de ovo, folhas de espinafre, pó de café e sobras de carne, descartados pela mente, surgem nitrogênio, calor e adubo. É desse solo fértil que brotam nossos poemas e histórias. Mas isso não acontece de uma hora para outra. Leva tempo. Continue sempre revirando os detalhes orgânicos da sua vida até que possam chegar à rica camada de húmus. 

Quando um aluno escreve várias páginas de texto e as lê em voz alta em sala de aula, ainda que o resultado não seja necessariamente excelente, fico contente de perceber que ele está explorando a sua mente em busca de material. Sei que ele vai continuar, que não está obcecado com o texto "perfeito", que está no processo de treinar. Está arando o solo de sua mente, remexendo aqueles pensamentos ainda incipientes. Se continuarmos trabalhando essa matéria-prima, ela vai nos aproximar cada vez mais de nós mesmos, mas não de maneira neurótica. Começaremos a ver o rico jardim que existe dentro de nós e a usá-lo para escrever.

 

Às vezes preciso martelar seguidamente no mesmo assunto. Por exemplo, se examinar meus cadernos de agosto a dezembro de 1983, você verá que eu tentei, várias vezes por mês, escrever sobre a morte de meu pai. Estava explorando e revirando o material. Até que num dia de dezembro, não sei explicar como, sentei-me completamente transfigurada no Croissant Express, em Minneapolis, e um longo poema jorrou de mim. Instantaneamente, todas aquelas coisas disparatadas que eu queria dizer fundiram-se com energia e harmonia - uma tulipa, de um vermelho intenso, brotou daquele composto. Katagiri Roshi dizia o seguinte:"Sua pequena vontade não faz nada. É preciso uma grande Determinação. Não se trata apenas de esforço. Significa que todo o universo está com você e por trás de você - os pássaros, as árvores, o céu, a lua e as dez direções." De repente, depois de muito trabalhar o solo, você se vê em alinhamento com as estrelas ou com o momento presente, ou com o lustre da sala de jantar sobre sua cabeça, e seu corpo todo se abre e fala.

 

Quando entendemos esse processo, cultivamos a paciência , geramos menos ansiedade. Não precisamos administrar tudo, nem mesmo o que escrevemos. Por outro lado, devemos praticar sempre. Não há desculpa para parar de escrever e ficar no sofá comendo bombons. Devemos sempre trabalhar o nosso solo, enriquecendo e fertilizando a nossa terra para que dali brote algo belo, para que os músculos que usamos ao escrever estejam em forma para conduzir o universo quando este passar através de nós.

 

Essa compreensão também nos ajuda a aceitar o sucesso dos outros e a não ser tão ambiciosos. Cada um tem o seu momento. O nosso chegará nesta vida ou na próxima. Não faz diferença. continue praticando.

 

" Na verdade, quando olho para meus velhos cadernos, tenho a impressão de ter sido um tanto indulgente comigo mesma, de ter permitido divagar por tempo demais em pensamentos discursivos. deveria ter ido mais diretamente ao ponto. De qualquer maneira, é bom conhecer nossos defeitos, não para glorificá-los ou criticá-los, mas simplesmente para reconhecê-los. Assim de posse desse conhecimento, estaremos aptos par escolher a beleza, a gentileza, a verdade inegável.Fazemos essa escolha com os dois pés fincados no chão. Não podemos correr atrás da beleza com o medo em nosso encalço." 

LISTA  DE TÓPICOS  PARA  A  PRÁTICA  DE  ESCREVER

Às vezes nos sentamos para escrever e não conseguimos pensar em absolutamente nada para dizer.  O papel em branco nos intimida. Além disso, ficar escrevendo "não sei o que dizer" durante dez minutos de prática é muito maçante. É interessante reservar uma página do caderno para anotar, assim que surgirem em sua cabeça, ideias de tópicos sobre os quais escrever. Pode ser uma frase que você ouviu. Por exemplo, certa vez, num restaurante, reclamei de um garçom a seu colega e ouvi a seguinte resposta: "Ele é esquisito, eu sei, Mas, se alguém dança em um ritmo diferente então que dance."  Pode ser uma lembrança: a dentadura de seu avô; o perfume dos lilases que você não sentiu em junho passado; quem você era de sapatilhas aos oito anos. Pode ser qualquer coisa. Sempre que lhe ocorrer algo, acrescente-o na lista. Assim, quando se sentar para escrever, você só precisará escolher um tópico e ir em frente.

É ótimo compor listas. Assim percebemos a diversidade de matéria-prima presente em nosso dia-a-dia. Começamos então a escrever a partir dessa interação com a vida e com sua textura. dessa forma, inicia-se o processo de compostagem. Nosso corpo começa a digerir e a processar o material, de modo que, mesmo quando não estamos fisicamente sentados à mesa escrevendo, certas partes de nós estão arando, adubando, expondo-se ao sol, preparando-se para que as viçosas plantas do escrever possam crescer.

 

Se gastar muito tempo pensando em como começar, a sua mente "macaca" é capaz de ficar pulando de tópico em tópico e nunca pôr uma palavra sequer no papel. Por esse motivo, a lista também pode ajudá-lo a dar logo a partida e vencer a resistência. Depois que começa a escrever, muitas vezes você se surpreende ao ver como o seu intelecto desenvolveu determinada ideia. Isso é bom. Significa que você não está tentando controlar o texto. Está deixando o caminho livre. Mantenha a mão em movimento.

 

Mas, até que você crie sua própria lista, aqui vão algumas ideias:

 

1- Fale sobre o tipo de luz que entra pela sua janela. Vá fundo e escreva. Não se preocupe se é noite e a cortina está fechada, ou se seria melhor escrever sobre a luz na região norte - simplesmente escreva. Prossiga por dez, quinze, trinta minutos.

2- Comece com "Eu me lembro". Enumere várias pequenas lembranças. Se aparecer alguma lembrança importante, escreva sobre ela. Mantenha o texto fluindo. Não importa se o fato aconteceu cinco segundos ou cinco anos atrás. Tudo que não fizer parte desse momento presente é uma lembrança que vem à tona enquanto você escreve. Se a coisa emperrar, apenas reputa a frase "Eu me lembro" e continue de onde parou.

3- Pense em algo que desperte em você sentimentos fortes, tanto positivos quanto negativos. Primeiro, escreva sobre isso como se o adorasse. Vá até onde der. Depois , vire a página e escreva como se o odiasse. Em seguida, escreva, um texto em tom absolutamente neutro.

4- Escolha uma cor - rosa, por exemplo - e faça uma caminhada de quinze minutos. Enquanto caminha, repare em tudo o que for cor-de-rosa. Volte para o caderno e escreva durante outros quinze minutos.

5- Procure lugares diferentes para escrever. Você pode ir até uma lavanderia e escrever no ritmo das máquinas de lavar. Ou então sentar-se num ponto de ônibus, num café. Relate o que está acontecendo à sua volta.

6- Descreva como é a sua manhã. Tomar café, acordar, caminhar até o ponto de ônibus. Seja o mais específico possível. Desacelere o pensamento e repasse todos os detalhes da manhã.

7- Visualize um lugar do qual você realmente goste, imagine-se lá, observe os detalhes. Agora escreva sobre esse lugar. Pode ser um canto do seu quarto, uma árvore antiga sob a qual você se sentou durante todo o verão, uma mesa do McDonald`s perto da sua casa, algum lugar às margens de um rio. Quais são as cores, os sons, os cheiros? Diante do seu texto, o leitor, deverá saber como é estar lá. Deverá perceber que você adora esse lugar, não porque disse que o adora, mas pelo tratamento que deu aos detalhes.

8- Escreva sobre despedidas. Aborde o assunto da maneira que quiser. Fale sobre o seu divórcio, sobre como foi sair de casa hoje de manhâ, sobre a morte de um amigo.

9- Qual é a sua lembrança mais antiga?

10) Que pessoas você amou um dia?

11) Escreva sobre as ruas de sua cidade.

12) Descreva um de seus avós.

13) Escreva sobre:

      natação

      as estrelas

      o maior medo que você já sentiu

      áreas verdes

      como você ficou sabendo de sexo

      sua primeira experiência sexual

      quando você se sentiu mais próximo de Deus ou da natureza

      as leituras e os livros que mudaram a sua vida

      resistência física

      um professor que você teve

      Não seja abstrato. Escreva com veracidade. Seja sincero e detalhista.

     

14) Pegue um livro de poesia. Abra numa página qualquer. Escolha um verso, transcreva-o no papel e prossiga a partir dalí. Um amigo meu chama isso de "extrapolar a página". A vantagem é que, se escolhemos um bom verso, já temos meio caminho andado. "Morrerei em Paris num dia chuvoso. (...). Será numa quinta feira", do poeta Cesar Vallejo: "Morrerei numa segunda feira às onze horas; numa sexta feira às três da tarde, dirigindo um trator em Dakota do Sul; numa delicatessen no Brooklyn", e assim por diante. Sempre que se sentir travado, reescreva a primeira frase e siga em frente. Isso lhe dá a chance de começar de novo e tomar uma nova direção - "Não quero morrer e não importa se for em Paris, Moscou ou Youngstown, Ohio".

15) Que tipo de animal você é? Será que dentro de você existe uma vaca, um rato, um gato, um cavalo ou um cachorro?

BRIGANDO COM O TOFU

Disciplina sempre foi uma palavra cruel. Sempre me faz pensar que preciso subjugar o meu lado preguiçoso, o que nunca funciona. Nessa batalha contínua, uma parte de mim ordena e a outra resiste:

"Não estou com vontade de fazer."

"Mas você vai."

"Mais tarde. Agora estou cansada."

"Vai escrever já."

Nesse ínterim, meu caderno continua em branco. É mais uma maneira que o ego encontra para continuar brigando. Katagíri Roshi tem uma expressão fabulosa: "Brigar com o Tofu". Tofu é um queijo feito de soja - branco, denso e sem gosto. é inútil brigar contra ele. Não se chega a lugar algum.

Se esses personagens interiores querem brigar, deixe-os brigar. Enquanto isso, aquela sua porção mais sensata deverá, silenciosamente pegar o caderno e começar a escrever, agora a partir de uma perspectiva mais profunda e mais serena. Infelizmente, esses dois briguentos continuarão alí com você, já que estão dentro da sua cabeça.Não é sempre que podemos largá-los no quintal, no porão ou na creche. O que você pode fazer, então, é permitir que eles se manifestem por cinco ou dez minutos no seu caderno. Deixe-os conduzir o texto. É impressionante ver que, quando abrimos espaço para essas vozes, suas reclamações se tornam repetitivas e logo nos cansamos delas.

 

Há um ditado zen que diz: "Ao falar, fale; ao caminhar, caminhe; ao morrer, morra." Ao escrever, escreva. Pare de se debater com a culpa, as acusações, as ameaças coercitivas.

 

1. Há tempos não escrevo nada. Então ligo para uma amiga escritora e combino de encontrar-me com ela dali a uma semana, para revisarmos nosso trabalho. Assim, serei obrigada a escrever alguma coisa para lhe mostrar.

 

2- Como dou aulas de redação, tenho, tenho de fazer os exercícios que aplico em sala de aula. Não esperei até ganhar vasta experiência para começar a lecionar. Dez anos atrás, havia poucos escritores em Taos, onde eu morava. E eu precisava de amigos que escrevessem. Foi quando organizei um grupo de redação só de mulheres. Fui aprendendo a escrever enquanto ensinava. Baba Hari Dass, um iogue indiano, disse o seguinte: " Ensine para aprender."

3- Acordo de manhã e digo para mim mesma: "Tudo bem, Natalie, você têm até dez horas para fazer o que quiser. às dez você deverá estar com a caneta em mãos." Abro um espaço para mim, mas também me imponho um limite.

4- De manhã, levanto da cama, vou direto para minha mesa e começo a escrever - sem pensar, sem lavar o rosto, sem falar com ninguém.

5- Faz dois meses que dou aulas o dia inteiro, cinco vezes por semana. Chego em casa muito cansada e sem vontade de escrever.

A três quarteirões da minha casa, tem uma padaria maravilhosa que faz deliciosos biscoitos caseiros de chocolate, por trinta centavos . Lá também permitem que você fique sentado escrevendo o tempo que quiser. Cerca de uma hora depois de eu chegar em casa do trabalho, digo para mim mesma: "Pois bem, Natalie, se você for ao croissant Express e escrever durante uma hora, terá direito de comer dois biscoitos." Em quinze minutos já estou com o pé na rua, pois, chocolate é uma das minhas forças motrizes. Só houve um problema: na sexta-feira, tive a desfaçatez de comer quatro biscoitos em vez dos dois permitidos. Mas o importante é escrever. Quando estou realmente mergulhada nisso, essa é a maior recompensa.

6- Tento preencher um caderno por mês. Não há nenhuma exigência quanto à qualidade, apenas à quantidade - completar um caderno inteiro, não importa quanta porcaria escreva. Se hoje é dia 25, só escrevi cinco páginas e tenho mais setenta par preencher até o fim do mês, terei muito que escrever nos próximos cinco dias.

Você pode inventar os truques que desejar. Apenas tome cuidado para não embarcar no círculo vicioso de culpa, fuga e coação. Quando for a hora de escrever, escreva.

PROBLEMAS COM O EDITOR

Quando escrevemos, é essencial separar nosso lado criador de nosso lado editor, ou censor, para que o primeiro possa respirar, experimentar e expressar-se livremente. Se o editor for muito insistente  e você tiver dificuldade de distingui-lo de sua voz criativa, sente-se e ponha no papel tudo que ele estiver dizendo, com todas as palavras: "Você é uma idiota, quem disse que você sabia escrever, odiei seu trabalho, você é péssima, você me dá vergonha, você não tem nada de bom para dizer e, para piorar, não sabe usar a gramática", e assim por diante. Soa familiar?

Quanto mai fundo você conhecer o editor, mais fácil será ignorá-lo. Depois de um certo tempo, essa voz torna-se um mero ruído de fundo, tipo papo-furado de bêbado. Não dê ouvidos a essas palavras vazias, senão elas ganharão forças. Se a voz diz "Você é chata" e você pára para ouvir, sua mão também pára de escrever. E isso reforça e dá mais confiança a seu editor. A  voz sabe que o termo chata vai paralisar você imediatamente, e então várias vezes você se pegará utilizando essa palavra para se referir ao que escreveu. Quando ouvir "você é chata", imagine que está ouvindo o som distante de roupa balançando no varal. Logo a roupa secará e alguém, lá de longe, virá recolhê-la. Enquanto isso você continua escrevendo. 

Elkton, Minnesota:

PROBLEMAS COM O EDITOR

Entro em sala de aula em Elkton, Minnesota. Início de abril, os campos em volta da escola estão molhados, não foram arados ainda,não receberam as primeiras sementes. O céu é de um cinza profundo. Revelo aos vinte e cinco alunos daquela oitava série que sou judia ao saber que a palavra rabino faz parte do exercício de ortografia. Nenhum deles jamais viu um judeu de perto. Percebo que, nos próximos sessenta minutos, tudo o que eu fizer será sinônimo de "judeu". Entrei comendo uma maçã: todos os judeus agora  comerão maçã. Conto que nunca morei em cidade pequena: nenhum judeu agora jamais viveu no campo. Um aluno perguntou se eu conhecia alguém que tivesse estado num campo de concentração. E então falamos dos alemães. Muitos deles são de origem germânica.

 

Todos são muito receptivos e há uma certa vulnerabilidade, profunda e cativante, em seu modo de ser. Sabem como é correr com o vento batendo no rosto. Não preciso dar-lhes nenhuma regra de poesia. Eles já moram nesse lugar. Tão próximos das coisas. Então eu pergunto: "De onde vocês vêm? Quem são? Qual é a sua essência?" Digo-lhes que venho da cidade, mas também conheço aqueles campos. Qualquer um pode estar aqui e, ao mesmo tempo, conhecer as ruas de Nova York. Podemos acolher pedaços de outros seres dentro de nós: "Sou a asa do corvo que partiu e não volta mais."

 

Essa é, portanto, mais uma maneira de produzir um texto. Não tinha nenhum planejamento antes da aula. Apenas tentei estar presente naquele momento, disposta, sem nada a temer, e a própria situação gerou o assunto. Isso sempre acontece comigo. O truque é manter o coração aberto. Numa escola bem localizada, no cento de Manhattan, por exemplo, talvez eu chegasse armada com mil exercícios de redação na ponta da língua, pois o medo seria maior. Fui criada em Nova York e já ouvi diversas histórias. Seria uma grande perda para todos, principalmente para mim. Quando estou com medo, meu texto torna-se falso e não reflete a realidade. "Mas  ali há motivos para temer!" Não é verdade. É apenas um ideia preconcebida.

Após terminar minha primeira faculdade, em 1970, trabalhei como professora substituta na rede pública de Detroit. Foi logo depois dos violentos conflitos raciais de 1967, e a centelha do movimento black power inflamava fortemente o ânimo dos alunos. Recém-chegada à cidade, eu era também muito ingênua. Tudo era novidade para mim, e estava aberta para tudo. Lembro-me de ter sido convocada para substituir um professor de inglês numa escola secundária só para estudantes negros. "Ótimo", pensei. Acabara de me formar em letras. Peguei meu já puído exemplar de The Norton Anthology of English Literature e fui dar minha aula. Ao soar o sinal, todos entraram na classe. "E aí, garota? Que você quer aqui?" Obviamente , aqueles alunos não ficariam obedientemente sentados em seus lugares, mas eu não me importava. Era aula de inglês e eu era apaixonada por literatura. "Agora me ouçam. quero compartilhar um poema com vocês que eu adoro." Li o meu poema favorito, "God´s Grandeur", de Gerard Manley Hopkins, que eu costumava  declamar em voz alta na faculdade, para desespero das minhas colegas de quarto. E foi com a mesma intensidade  que o li para a classe em Detroit. No fina da leitura, eles estavam completamente mudos. Em seguida um aluno me jogou um livro de poesia de Langston Hughes e pediu que eu o lesse também. E assim passamos cinquenta minutos lendo em voz alta os poetas negros que os alunos tanto queriam ouvir.

Os escritores, quando escrevem, têm de olhar para as coisas como se fosse sempre a primeira vez que as vissem. Certo dia, um outro professor de Elkton chamou-me de lado e disse: "Repare embaixo das carteiras. O chão está sujo de barro trazidos pelos sapatos dos alunos. Isso é um bom sinal. Significa que a primavera chegou." E eu, maravilhada, enxerguei aquilo pela primeira vez.

Como podemos gerar ideias e assuntos para nossos textos? Qualquer coisa que estiver à sua frente já será um bom começo. Depois saia pelas ruas. Você pode ir a qualquer lugar. Conte-me tudo o que sabe. Não importa se você não estudou, ou se não pode provar o que sabe. Conheço os campos de Elkton porque assim estou afirmando e porque quero enveredar-me por eles para sempre. Se "para sempre" significa aquela semana em que você estiver por lá na condição de poeta residente, ou vendedor de tratores, ou viajante a caminho do oeste, não importa. Aproprie-se do que você quiser ao escrever e, depois, deixe para lá.

CONECTANDO-SE AO MANANCIAL

Não se preocupe com talento ou capacidade: eles virão com a prática. Katagiri Roshi dizia: "A capacidade é como um manancial sob a superfície do solo." Ele não pertence a ninguém, mas todos podem captar a sua água. Com esforço você chegará até a água. Por isso, continue sempre praticando e, quando aprender a confiar na sua voz, direcione-a. Se tem vontade de escrever um romance, escreva um romance. Se prefere escrever um ensaio, ou contos, escreva-os. Você saberá como fazê-lo no decorrer do processo. Pouco a pouco, você vai adquirindo a técnica e método necessários. Pode confiar.

Quando começam a escrever, as pessoas, de maneira geral, partem de uma carência mental. Estão vazias e correm atrás de cursos e professores na ânsia de aprender a escrever. Só se aprende a escrever escrevendo. Simples assim. Não adianta recorrer a pessoas experientes, achando que elas sabem como fazer isso. Tenho um amigo querido que, por ser obeso, certa vez decidiu começar a fazer exercícios. E o que ele fez? Foi até uma livraria para ver se encontrava um livro sobre ginástica! Ninguém emagrece lendo, Para perder peso você tem que se exercitar.

Uma das piores coisas do ensino público é que ele pega as crianças que são poetas e contistas natos, e as obriga a ler literatura

Francine Prose

- Para ler como um escritor

Um guia para quem gosta de livros e para quem quer escrevê-los

 

LEITURA ATENTA

A escrita criativa pode ser ensinada?

 

É uma pergunta sensata, mas por mais vezes que me tenha sido feita, nunca sei realmente o que responder. Porque se o que as pessoas querem dizer é "pode o amor à linguagem ser ensinado?", "pode o talento para a narração de histárias ser ensinado?", então a resposta é não. Talvez seja esta a razão por que a pergunta é formulada tantas vezes num tom cético que sugere que, diferentemente da tabuada de multiplicar ou dos princípios da mecânica automobilística, a criatividade não pode ser transmitida de professor para aluno. Imagine Milton inscrevendo-se num programa de pós graduação para obter ajuda com Paraíso perdido, ou Kafka suportando um seminário em que seus colegas o informa que, francamente, a passagem em que o sujeito acorda de manhã pensando que é um inseto gigante não os convence.

 

O que me confunde não é a sensatez da pergunta, mas o fato de que ela está sendo feita a uma escritora que ensinou escrita, intermitentemente, por quase 20 anos. Que impressão eu daria sobre mim, meus alunos e as horas que passamos na sala de aula se dissesse que qualquer tentiva de ensinar a escrita de ficçao é uma completa perca de tempo? Provavelmente teria de ir em frente e admitir que andei cometendo uma fraude criminosa.

 

Em vez disso, respondo, relembrando minha própria e valiosíssima experiência, não como professora, mas como aluna  numa das poucas oficinas de ficção que frequentei. Foi na década de 1970, durante minha breve carreira como estudante de pós-graduação em literatura inglesa medieval, quando me foi permitido o prazer de fazer um curso sobre ficção. O generoso professor ensinou-me, entre outras coisas, a editar meu trabalho. Para qualquer, a capacidade de olhar uma frase e identificar o supérfluor, o que pode ser alterado, revisto, expandido ou - especialmente - cortado é essencial. É uma satisfação ver que a frae encolhe, encaixa-se no lugar, e por fim emerge numa forma aperfeiçoada: clara, econômica, bem definida.

 

Ao memo tempo, meus colegas proporcionavam-me meu primeiro público real. Nessa pré-história, antes que a massificação da fotocópia permitisse aos alunos distribuir manuscritos previamente, líamos nosso trabalho em voz alta. Naquele ano, eu estava começando o que viria a ser o meu primeiro romance. E o que fez uma importante diferença para mim foi a atenção que sentia na sala enquanto os outros ouviam. Fui estimulada pela ânsia que tinham de ouvir mais. Essa é a experiência que descrevo, a resposta que dou para as pessoas que me perguntam sobre o ensino de escrita criativa: uma oficina pode ser útil. Um bom professor pode lhe mostrar como editar o seu trabalho. A turma adequada pode formar a base de uma comunidade que o ajudará e sustentará.

 

Mas não foi nessas aulas, por mais úteis que tenham sido, que aprendi a escrever.

 

Como a maioria dos escritores, talvez todos, aprendi a escrever escrevendo e lendo, tomando os livros como exemplo.

 

Muito antes de a ideia de palestras de escritores passar pela mente de alguém, escritores aprendiam pela leitura de obras de seus predecessores. Eles estudavam métrica com Ovídio, construção de trama com Homero, comédias com Aristófanes; afiavam seu estilo absorvendo as frases claras de Montaigne e Samuel Johnson. E quem teria podido pedir melhores professores: generosos, não-críticos, abençoados com sabedoria e gênio, tão infinitamente magnânimos como só os mortos podem ser?

 

Embora muitos escritores tenham aprendido com os mestres de uma maneira formal, metódica -Harry Crews descreveu como analisou um romance de Graham Greene para ver quantos capítulos continha, quanto tempo abrangia, como Greene ligava com ritimo, tom e ponto de vista -, a verdade é que esse tipo de educação envolve mais frequentemente uma espécie de osmose. Depois que escrevo um ensaio em que cito extensamente grandes escritore, tendo  de copiar longas passagens de suas obras, noto que meu próprio trabalho se torna um pouco mais fluente, ainda que por um breve momento.

 

No processo de me tornar uma escritora, li e reli os autores de que mais gostava. Lia por prazer, primeiramente, mas também de maneira mais analítica, consciente do estilo, da dicção, do modo como as frases eram formadas e como a informação estava sendo transmitida, como o escritor estava estruturando uma trama, criando personagens, empregando detalhes e diálogos. E à medida que escrevia, descobri que escrever , como ler, fazia-se uma palavra por vez, um sinal de pontuação por vez. Requer o que um amigo meu chama de "por cada palavra em xeque": mudar um adjetivo, cortar uma frase, remover uma vírgula e por a vírgula de volta.

 

Leio minuciosamente, palavra por palavra, frase por frase, ponderando cada aparentemente mínima decisão tomada pelo escritor. E embora seja impossível recordar todas as fontes de inspiração e instrução, posso lembrar os romances e contos que me pareceram revelações: poços de beleza e prazer que eram  também livros didátics, aulas particulares da arte da ficção.

 

Este livro pretende ser em parte uma resposta a essa pergunta inevitável sobre como os escritores aprendem a fazer algo que não pode ser ensinado. O que os escritores sabem é que, em última análise, aprendemos a escrever com a prática, o trabalho árduo, a repetição de tentativas e erros, o sucesso e o fracasso e com os livros que admiramos. Assim, o livro que se segue representa um esforço para recordar minha própria educação como romancista e ajudar o leitor apaixonado e aquele que deseja ser escritor a compreender como um escritor lê.

 

                                                                      ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~continua.

STEPHEN KOCH

OFICINA DE ESCRITORES

UM MANUAL PARA

A ARTE DA FICÇÃO

Por 21 anos, entre 1977 e 1998, lecionei num dos mais notáveis programas de pós-graduação em escrita literária dos Estados Unidos, trabalhando com jovens aspirantes a escritor que tentavam aprender a misteriosa arte da ficção. Durante oito anos desse período, enquanto dava aulas em tempo integral, ocupei também a cadeira de professor titular do programa. Assim, por mais de duas décadas, sem pular um único semestre, dediquei grande parte da minha energia a refletir e a falar sobre a arte de ficção com alguns dos jovens mais promissores daquela geração, num diálogo que sempre se renovava e ganhava novos contornos. Trabalhei individualmente com muitas centenas de pessoas talentosas e tive o mudo prazer de ver muitas delas despontarem entre os jovens escritores de destaque da atualidade. Durante esse tempo, li milhares, talvez dezenas de milhares de originais nos mais diversos estágios. Editei, admirei, discuti, orientei, elogiei, questionei, duvidei, calei-me e tive esperanças. Fiz o que pude para ajudar as pessoas a provar seu talento, encontrar seu caminho, enfrentando todo tipo de problema de técnica literária que se possa imaginar. Embora não possa afirmar que sempre tenha encontrado soluções, aprendi muita coisa a respeito dos problemas. No constante empenho de ajudar as pessoas a solucioná-los, conheci fracassos, é claro, mas toda semana também via gente talentosa inventando saídas, encontrando na página uma trilha para a transcendência, descobrindo a maestria nas palavras, abrindo caminho rumo à clareza a passos às vezes pequenos e incertos, às vezes súbitos e gigantescos. Minha longa e completa imersão no ensino proporcionou-me um senso bastante apurado do que pode ou não ser ensinado sobre a produção de um texto narrativo.

Deixou-me também com uma profunda aversão à ideia de submeter às pessoas a um isolamento mortal a fim de perderem tempo reinventando a roda. Exceto no jornalismo, escrever é necessariamente um ofício solitário, a mais solitária de todas as artes. O excessivo quociente  de solidão implícito no ato de escrever, assim como a necessidade não só de tolerá-la, mas até de amá-la, é uma característica inexorável do ofício e um dos fatos psicológicos mais evidentes que se deve entender acerca dele. No entanto, com muita frequência os aspirantes a escritor se condenam – como que como castigo pelo desejo de escrever – a achar sozinhos, meio por acaso e sem nenhuma ajuda, o caminho para os métodos mais elementares de fazê-lo. Esse desperdício absurdo não é necessário. Já há muita coisa que o escritor inevitavelmente destinado a resolver por si só, num esforço solitário. São problemas reais que não permitem que se perca tempo tateando atrás do óbvio. A maioria dos escritores costuma exagerar os obstáculos a serem transpostos para a realização de um bom trabalho. Até mesmo um pequeno problema técnico – por exemplo, como revisar uma primeira versão – pode deixá-los atrapalhados e sem ânimo. Tive conhecimento de projetos inteiros, meses e até mesmo anos de trabalho perdidos por causa de questões que poderiam ter sido resolvidas com meia  dúzia de instruções eficazes e dez minutos de conversa objetiva.

Infelizmente, muita gente inteligente - em geral  os adeptos da crença de que “escrever não se aprende na escola” – de fato acredita  que os escritores devam aprender tudo sozinhos e por magia. Essas pessoas nem em sonhos esperariam que um pianista, um pintor, um compositor – para não falar um produtor de discos ou um diretor de cinema – descobrissem tudo sobre seu ofício sem contar com nenhuma ajuda. Pelo menos nessas áreas, ninguém teria a menor dificuldade de compreender o necessário intercâmbio entre o que deve ser ensinado e o que deve ser aprendido pela própria pessoa no exercício de qualquer técnica. Por que não seria assim com a escrita?

Este livro resulta do esforço de reunir e integrar aquilo que me parece ser um consenso entre os escritores a respeito das bases de seu ofício. Nestas páginas você ouvirá minha voz- uma variante em linguagem escrita da voz que emprego nos encontros reservados com meus alunos – e também muitas outras vozes, todas falando sobre a arte de escrever. A maioria dos escritores adora falar, e uma das coisas de que eles mais gostam é falar sobre escrever. Em entrevistas, cartas, conversas à mesa, biografias e manifestos, sempre se demoram a discorrer com surpreendente profusão de detalhes a respeito de como escrevem. Tudo isso compõe uma literatura técnica vasta e em grande parte inexplorada. São materiais antigos e modernos, que percorrem a história literária em todos os níveis da cultura, até mesmo o mais elevado. Algumas das mais importantes figuras da literatura clássica produziram duradoura arte poética. Sobre oratória, poesia, drama, eloquência e o sublime formam uma parte extensa e essencial da antologia clássica. Não são poucas as passagens da tradição profética da bíblia que podem ser lidas como uma meditação sobre o discurso inspirado, sobre o que ele é e como se realiza. Um grande tratado renascentista sobre teatro, poesia e o funcionamento da imaginação dramática encontra se inserido na obra de Shakespeare – uma arte poética produzida em seu momento culminante. Se prestar bastante atenção, você aprenderá a ouvir os grandes romancistas do século XIX refletindo quase  sem cessar sobre o ato de escrever, sobre como escrever. O mesmo vale para muitas das grandes figuras do século XX. Por exemplo, um manual respeitável – e surpreendentemente espesso o sobre técnica literária pode ser compilado a partir de trechos selecionados dos romances de Hemingway. E só dos romances, sem contar as entrevistas.

                                                                       ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~continua.

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